No primeiro artigo da série “Holding Imobiliária”, nós falamos dos conceitos básicos e da tributação federal. Mas você sabia que um dos fatores cruciais para saber se vale mesmo a pena constituir uma holding imobiliária é a tributação estadual e municipal? Isso porque o ITBI e o ITCMD terão impacto direto sobre a tributação da holding.
Hoje explicaremos a incidência desses dois tributos e indicaremos quais fatores avaliar para a constituição ou não da holding imobiliária.
Além disso, mostraremos cenários concretos de alternativas de tributação e falaremos um pouco das controvérsias jurisprudenciais em torno do tema. Acompanhe!
Como o ITBI afeta a tributação das Holdings Imobiliárias? Conceito, norma e exceções.
“ITBI” é acrônimo de “imposto sobre transmissão ‘inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição”.
Trata-se de um imposto municipal sobre a transmissão onerosa de imóveis, cuja alíquota varia conforme o local dos bens imóveis, e cuja base de cálculo é o valor de mercado dos bens imóveis ou dos direitos a eles relativos.
Na cidade de São Paulo, a alíquota geral de ITBI é 3%, e a base de cálculo é o valor venal de referência disponível para consulta a quem tiver o número do cadastro do imóvel.
O ITBI exerce um papel determinante na constituição de holdings imobiliárias. Seu impacto financeiro é a razão por que muitas holdings imobiliárias sequer chegam a ser constituídas. Por isso, vale conhecer a regra da incidência do ITBI e duas exceções, tal qual previstas na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional.
A regra é que o ITBI incide sobre atos onerosos translativos de imóveis, tais como compra e venda, conforme o art. 156, inciso II, da Constituição Federal e em alguma medida o art. 35 do Código Tributário Nacional.
A exceção é que o ITBI não incide sobre a transmissão de imóveis para pessoa jurídica, em realização de capital nela subscrito, nos termos do art. 156, §2º, inciso I, da Constituição Federal e de certa forma do art. 36 do Código Tributário Nacional.
A exceção à exceção é que o ITBI incide sobre a transmissão de imóveis em integralização do capital subscrito em pessoa jurídica adquirente que tenha como atividade preponderante a venda ou a locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição, de acordo com o art. 156, §2º, inciso I, in fine, da Constituição Federal e o art. 37, caput, do Código Tributário Nacional.
Para ser preponderante, a atividade imobiliária deve produzir mais de 50% da receita operacional em um dos seguintes períodos: a) nos 2 anos anteriores e nos 2 anos subsequentes à data de aquisição do imóvel, se a pessoa jurídica iniciou sua atividade no mínimo 2 anos antes da aquisição do imóvel; ou b) nos 3 anos seguintes à data da aquisição do imóvel, nos demais casos.
Apresentada a regra e as duas exceções, cumpre consignar que não será analisada a terceira exceção, de acordo com a qual o ITBI não incide sobre a transmissão de imóveis em conjunto com a totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante, em integralização do capital subscrito em pessoa jurídica adquirente que tenha atividade preponderante imobiliária, por força do art. 37, §4º, do Código Tributário Nacional.
Essa terceira exceção é objeto de calorosas discussões entre, de um lado, alguns municípios que simplesmente ignoram essa terceira exceção por entenderem que o art. 37, §4º, do Código Tributário Nacional não teria sido recepcionado em 1988 pelo art. 156 da Constituição Federal e, de outro lado, alguns contribuintes que impetram mandados de segurança para assegurarem a não incidência de ITBI prevista pelo art. 37, §4º, do Código Tributário Nacional, a despeito da falta de dispositivo equivalente nas legislações municipais.
Como essa terceira exceção geralmente não se aplica no ato de constituição de uma holding imobiliária, ela não será objeto de detalhamento neste artigo.
Leia também: Holding imobiliária: o que é e como funciona a tributação federal
Um exemplo clássico da aplicação do ITBI
A situação clássica que cumpre analisar neste artigo é a de uma holding imobiliária criada do zero, cujo capital social é subscrito e integralizado com os imóveis até então detidos diretamente por uma pessoa física.
Essa situação clássica enseja a incidência de ITBI, pois em regra nos 3 anos seguintes à data de aquisição do imóvel a holding imobiliária terá mais de 50% da receita operacional decorrente de venda ou locação de imóveis, ou cessão de direitos relativos à aquisição de imóveis.
Situações que permitem não incidência do ITBI
Contudo, há situações específicas que permitem aproveitar a não incidência de ITBI. Por exemplo, se a receita de locação dos imóveis for R$ 15 mil por mês, a holding imobiliária pode desempenhar outras atividades que lhe rendam mais de R$ 15 mil por mês durante os 3 anos seguintes à data de aquisição dos imóveis.
Dentre essas outras atividades, a holding imobiliária pode realizar locação de equipamentos, intermediação de negócios, ou prestação de serviços em geral.
No Lucro Presumido, a receita decorrente da locação de equipamentos será tributada em até 14,53%, ao passo que a receita de intermediação de negócios ou de prestação de serviços em geral será tributada em até 19,53%, sendo que a tributação em todo caso é vantajosa especialmente se a margem de lucro supera 32% da receita.
Essas demais atividades devem constar no contrato ou estatuto da holding imobiliária, bem como devem ser efetivamente desempenhadas, a fim de que, de fato, mais de 50% da receita operacional da holding imobiliária não decorra da locação ou venda de imóveis durante os 3 anos seguintes à aquisição dos imóveis. Feito isso, é possível legalmente afastar a incidência de ITBI na transferência dos imóveis para a holding imobiliária.
Sanções e controvérsia jurisprudencial
A sanção pelo descumprimento do requisito para aproveitar a não incidência de ITBI é a cobrança retroativa do ITBI, além de acréscimos legais. É dizer, se em algum dos 3 anos seguintes à data de aquisição dos imóveis a receita imobiliária for superior à receita das demais atividades, há risco de cobrança do ITBI e dos acréscimos legais acumulados desde a data da transferência dos imóveis para a holding patrimonial.
Na cidade de São Paulo, a multa de ofício é de 50% do imposto devido, e os juros moratórios são de 1% ao mês sobre o somatório do imposto e da multa (isto é, um percentual bastante elevado diante da Selic de 0,16% em dezembro de 2020).
Há um procedimento padrão para o reconhecimento administrativo da não incidência de ITBI. Na cidade de São Paulo, a holding imobiliária deve solicitar uma Senha Web e acessar o Sistema de Gestão de Benefícios Fiscais, a fim de gerar a Declaração “ITBI-IV”, que deverá ser encaminhada ao competente cartório de Registro de Imóveis.
Para tanto, a holding imobiliária precisará providenciar uma série de documentos, tais como:
a) ata de assembleia ou contrato social que aprovou a incorporação dos imóveis ao patrimônio da holding imobiliária em realização do capital subscrito, com o devido registro na Junta Comercial;
b) matrícula atualizada dos imóveis;
c) declaração de uso de todos os imóveis pertencentes à holding imobiliária, situados ou não na cidade de São Paulo, conforme modelo próprio;
d) documentos contábeis e fiscais da holding imobiliária. Conforme o caso, outros documentos podem ser necessários.
Por fim, ainda que haja diferença entre o valor venal de referência e o custo constante da declaração de Imposto sobre a Renda, simplesmente não incide ITBI na transferência de imóveis para uma holding imobiliária na qual mais de 50% da receita operacional durante 3 anos resultem de atividades diversas da venda ou locação de imóveis ou direitos imobiliários.
Esse esclarecimento se faz necessário para evitar interpretações equivocadas do Recurso Extraordinário n. 796.376/SC julgado em agosto de 2020 pelo Supremo Tribunal Federal. Ora, a tese ali fixada foi de que, no caso de imóveis contribuídos a uma pessoa jurídica, incide ITBI sobre a parcela do valor dos imóveis que exceder o capital subscrito, ou seja, que for destinada a reserva de capital.
Portanto, embora trate da transferência de imóveis em integralização de capital social, ali não se afirma a incidência de ITBI sobre a diferença entre o valor venal de referência e o custo declarado para fins de Imposto sobre a Renda, mas sim a incidência de ITBI sobre o valor destinado à reserva de capital, que é conta distinta do capital social.
Feitas essas considerações sobre o ITBI incidente na transferência de imóveis em integralização do capital social das holdings imobiliárias, cumpre agora tratar do ITCMD incidente na transmissão gratuita de cotas ou ações de holdings patrimoniais.
Como o ITCMD afeta as Holdings Imobiliárias? Conceito, norma e exceções.
“ITCMD” é acrônimo de “imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”.
Trata-se de um imposto estadual sobre a transmissão de bens por herança ou doação, cuja alíquota máxima é 8% em virtude da Resolução do Senado n. 9/92, cujas alíquotas e bases de cálculo variam conforme o Estado.
O ITCMD afeta a sucessão das holdings imobiliárias. Assim, se os pais constituem uma holding imobiliária, os filhos podem receber as ações ou as cotas da holding imobiliária enquanto os pais estiverem em vida (doação) ou quando os pais falecerem (herança).
Transmissão das Holdings Imobiliárias: doação ou herança?
A escolha entre a doação ou a herança não é neutra. A doação pode ser vantajosa se os pais quiserem preparar os filhos para a gestão do patrimônio, se a alíquota de ITCMD para a doação for menor do que para a herança no respectivo Estado, ou se for aprovada uma lei estadual majorando fortemente a alíquota do ITCMD.
Já a herança pode ser vantajosa se considerarmos o risco de falecimento dos filhos antes dos pais, se os pais quiserem evitar que os rendimentos correntes da holding imobiliária sejam comunicados com cônjuges dos filhos, bem como se a alíquota de ITCMD na doação for pouco menor do que a alíquota de ITCMD na herança no respectivo Estado, pois então antecipar um ITCMD menor pode ser menos eficiente do que postergar um ITCMD maior, pois o dinheiro tem um custo no tempo.
No Estado de São Paulo, não incide ITCMD sobre doações ou heranças até 2.500 UFESPs (em 2021, cada UFESP vale R$ 29,90 e a faixa isenta é de R$ 74.750). Entretanto, excedida a faixa isenta, mesmo que o excesso sejam pequeno, incide 4% de ITCMD sobre todo o valor doado ou herdado. A alíquota é fixa, o que significa que as doações e heranças que excedam a faixa isenta são tributadas em igual proporção, qual seja, 4%.
Ao seu turno, as bases de cálculo variam conforme o caso: imóveis urbanos devem ser avaliados por valor não inferior ao fixado para fins de IPTU; já cotas ou ações que não tenham sido negociadas nos últimos 180 dias podem ser avaliadas pelo valor patrimonial para fins do cálculo do ITCMD.
Ademais, no caso de doação da nua-propriedade e retenção do usufruto das cotas ou das ações, é possível pagar ITCMD sobre apenas 2/3 do valor patrimonial das cotas ou das ações, deixando o pagamento do restante 1/3 para o momento da consolidação da propriedade pelo falecimento dos usufrutuários.
Exemplo concreto de aplicação do ITCMD
A título de exemplo do impacto do ITCMD na transmissão gratuita de holdings imobiliárias, imaginemos que imóveis sejam transferidos para uma holding imobiliária pelo custo histórico que vem sendo declarado para fins do Imposto de Renda. Ora, não será apurado ganho de capital e, assim, não será devido qualquer Imposto de Renda.
Além disso, uma vez que o valor patrimonial da holding imobiliária corresponderá à soma dos custos históricos dos imóveis, a futura doação ou herança das cotas ou ações da holding imobiliária será menos tributada pelo ITCMD do que seria se, alternativamente, os imóveis fossem doados ou herdados diretamente dos pais para os filhos. Isso é um importante atrativo da holding imobiliária para fins sucessórios no Estado de São Paulo.
Por fim, vale tratar das recentes propostas legislativas de aumento do ITCMD. No âmbito nacional, o Projeto de Resolução do Senado n. 57/19 propõe dobrar de 8% para 16% a alíquota máxima de ITCMD.
Já no âmbito do Estado de São Paulo, o Projeto de Lei n. 250/20 prevê mudanças significativas sobre o ITCMD, tais como:
a) a substituição da alíquota fixa de 4% por alíquotas progressivas de 0% até 8%;
b) nos casos de doação a nua-propriedade com reserva de usufruto, a revogação do diferimento de 1/3 do ITCMD para o momento da consolidação da propriedade por ocasião do falecimento do usufrutuário;
c) a substituição da base de cálculo definida para ações ou cotas que não tenham sido negociadas nos últimos 180 dias, a fim de que deixe de ser o valor patrimonial, passando a ser o valor de mercado da participação societária.
Eventual majoração do ITCMD só produzirá efeitos após o transcurso das anterioridades do exercício e nonagesimal, ou seja, no ano seguinte e 90 dias após a publicação da lei, nos termos do art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”, §1º, da Constituição Federal.
Logo, para que a majoração do ITCMD produza efeitos em 01/01/22, a respectiva lei deve ser publicada até 03/10/21. Portanto, quem pretenda doar cotas ou ações de holding imobiliária, deve ficar atento a esse movimento legislativo, a fim de se prevenir contra eventuais majorações do ITCMD.
Conclusão
Nesse segundo artigo da série “Holding Imobiliária”, nós tratamos sobre a tributação estadual e municipal. Vimos que o ITBI e o ITCMD têm impacto direto nas holdings imobiliárias. No próximo artigo, fecharemos a série focando nos aspectos societários e sucessórios atinentes à holding imobiliária. Não deixe de ler!
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