Entrevista com Erik Navarro: Ciência Comportamental e Direito

Confira a íntegra da entrevista realizada com o Juiz Federal Erik Navarro sobre as iniciativas para desburocratizar o Direito.
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Equipe Turivius

A Turivius teve a honra de entrevistar Erik Navarro, Juiz Federal, que iniciou a sua carreira aos 25 anos de idade e hoje é Mestre pela PUCSP e Doutor pela UERJ, além de pesquisador na Universidade de Harvard.

Durante o bate papo é possível perceber de que forma o magistrado enxerga o potencial de mudança do Direito nos próximos anos a partir da tecnologia, bem como o entusiasmo de estar à frente de iniciativas que desburocratizem o Direito.

Como foi a sua experiência em Harvard e qual foi o tema de estudo?

Eu comecei a fazer meu doutorado em Direito pela UERJ, e eu estava muito frustrado como Juiz e também como pesquisador com os rumos que o Direito Brasileiro tinha tomado. O Direito Brasileiro não funcionou, essa é a grande verdade. 

O acadêmico, e também o profissional do Direito no Brasil, é muito fechado nele mesmo. É uma pseudociência que não conversa muito com as outras ciências, principalmente as ciências comportamentais.

Se você quer regular comportamento, você precisa conversar com ciências comportamentais que deram mais ou menos certo, como psicologia, sociologia, filosofia. Eu queria fazer uma abordagem da conduta cooperativa das partes no processo e para isso eu precisava estudar cooperação do ponto de vista da biologia, psicologia de uma forma mais interdisciplinar, e aí surgiu a oportunidade de fazer o doutorado em colaboração com a Universidade de Harvard. 

O meu orientador era um professor de Psicologia, Direito e Economia e lá sim eu pude ter acesso ao conhecimento que eu precisava para desenvolver a minha tese. 

Como você vê a ciência comportamental hoje impactando o mundo jurídico?

Eu vejo de diversas formas. Do ponto de vista da microeconomia, eu vejo impactando de maneira super racional, no sentido de buscar os incentivos necessários para trazer um sistema mais eficiente. Quer dizer, eu construo a norma processual, eu construo a norma jurídica, eu construo o sistema de justiça de modo a gerar os incentivos corretos para que as pessoas, cidadãos, advogados, partes e juízes tenham todos uma conduta mais colaborativa possível.

Eu não falo só do Judiciário, é dentro e fora do Judiciário. Exemplo, quando você coloca câmera no uniforme de um policial, e tem pesquisa recente feita sobre isso no Brasil, no estado de Santa Catarina, você reduz brutalmente a letalidade policial. Esse é um exemplo clássico e fácil de entender de como olhar um pouco para ciência comportamental pode ajudar nós termos um Direito mais bem desenvolvido.

Assista à íntegra da entrevista com Erik Navarro

E o que é exatamente ciência comportamental para um advogado?

Pensem o seguinte, tudo que você faz da sua vida, da hora que você acorda até a hora que você vai dormir é regido por incentivos. Você faz na última instância para manter sua própria sobrevivência e melhorar a sua experiência na terra, o seu nível de felicidade. Você tende a não fazer coisas que te parecem ruins e tende a fazer coisas que te pareçam boas.

A ciência comportamental, todas elas, desde a microeconomia até a psicologia, e hoje se fala muito da neurociência também, elas trabalham com a forma de como funciona o cérebro na tomada de decisões. Ou seja, eu crio razões para que as pessoas se comportem de determinada maneira e eu crio razões para que as pessoas não se comportem de outra maneira.

Você pode fazer isso só escrevendo uma lei, aprovando no congresso nacional, mas você não tem certeza sem olhar para a ciência se essa lei que você criou vai dar o resultado que você quer que ela dê.

Você fala que o Direito Brasileiro falhou, ele falhou exatamente como? Ele falhou por tentar moldar o comportamento das pessoas a partir da lei?

Eu acho que o Direito Brasileiro falhou em várias dimensões. Essas dimensões vão desde o que acontece dentro dos tribunais até o que acontece na rua, até porque uma coisa é consequência da outra. 

Se você mora em um país que a norma é sistematicamente violada, claramente o Direito não deu certo em criar os incentivos que impeçam que as pessoas violem essas normas.

E eu estou falando de todas as normas, do cara que puxa o gato net, do sujeito que atravessa no sinal vermelho, que bebe e dirige, que não paga impostos, que comete um crime de corrupção e por aí vai. Falhou nesse aspecto e vem falhando também no passo seguinte, de tentar consertar as relações jurídicas já prejudicadas.

Se eu te empresto um dinheiro e você não me paga de volta, eu preciso ir para o Sistema de Justiça. Se o consumidor compra um produto e ele apresenta uma falha, o mesmo acontece. Mas qual é esse Sistema de Justiça?

É o Poder Judiciário, com 77 milhões de processos, em que só na primeira instância, na fase de conhecimento, que o juiz decide quem tem razão, o estoque hoje presente leva cerca de 4 anos para ser julgado.  E quando ele é julgado, a decisão não é implementada voluntariamente pelas partes. De novo nós erramos na calibragem dos incentivos. 

Aí tem uma nova fase do processo de execução, as execuções no Brasil hoje levam aproximadamente cerca de 8 anos e eu posso falar com segurança que elas têm uma efetividade de ganhar e levar abaixo de 10%. Um sistema desses não pode estar funcionando. 

Como você vê a Jurimetria dialogando com a ciência comportamental no direito.

Eu fico muito feliz com essa pergunta e com o trabalho que vocês fazem na Turivius. A minha missão de vida que eu construí para mim é melhorar o Sistema de Justiça, eu atuando como ator em diversas áreas. 

Eu acredito muito na litigância estratégica, pensada e racional do ponto de vista do interesse do que está em jogo. A Jurimetria ajuda muito nisso, a partir do momento que você consegue minimamente entender como decide o poder Judiciário, você começa a fazer uma conta se vale a pena ou não litigar, porque você entende quais são as suas chances.

E a partir daí você também tem condições, por exemplo, de construir a melhor alternativa do acordo negociável e nem ir ao Judiciário. Primeiro tentar uma conversa com o interlocutor que eu estou em conflito, porque eu já sei mais ou menos quanto vale aquele meu direito. A Jurimetria ajuda a tirar processos do Judiciário, a solucionar os conflitos por negociação e a escolher melhor as ações que merecem ser ajuizadas.

Você quer falar um pouquinho para gente o que é a Escola MVP?

Falo com o maior prazer. A Escola MVP foi o seguinte, quando eu voltei de Harvard e terminei o meu doutorado em colaboração UERJ e Harvard, eu fiz uma tese que virou o livro “Análise econômica do Processo Civil“, só que esse livro é muito técnico e um livro muito técnico é um livro que pouca gente lê. Eu percebi que eu estava conversando sobre a  minha tese para estudiosos e poucas pessoas, mas não são essas pessoas que fazem o Sistema de Justiça. 

Quem faz o sistema de justiça são os mais de 1 milhão de advogados que existem no Brasil. Eu precisava falar com esses caras e falar de um jeito simples, meio plug and play, porque ninguém mais tem tanto tempo assim para ficar entendendo teorias complexas.

Teorias complexas são muito difíceis de serem aplicadas. Então eu criei uma espécie de caixa de ferramentas a partir desse livro, mas também a partir dos meus 18 anos como juiz federal e mais alguns anos antes como advogado, para ensinar, e aí eu falo isso com toda humildade, para conversar com os advogados e apresentar essas ferramentas para aplicação na advocacia contenciosa e também na sua advocacia não contenciosa.

Não só para escolher melhor as suas brigas, vamos dizer assim, mas também para aquelas brigas que eles escolheram, atuar de uma maneira mais assertiva, aumentar uma chance de vitória, mas saber quando levar para uma mesa de negociação. 

Existem várias pesquisas que falam que soluções negociadas são soluções melhores do ponto de vista de bem estar social, visto que todos envolvidos ficam mais bem satisfeitos e o sistema é preservado com menos gastos públicos e o advogado fica satisfeito porque antecipa o pagamento dos seus honorários. É bom para todo mundo.

Eu faço isso na escola MVP, lançando alguns cursos nesse sentido.

Na escola você traz técnicas que você aprendeu em Harvard, o que é o método Harvard de negociação, como você vê esse tipo de metodologia, muito usada lá fora, sendo aplicada no Direito Brasileiro?

É bom que eu posso explicar por meio de exemplos. Veja só, o legislador brasileiro, em 2015, entendeu que ele precisava escrever um novo Código de Direito Processual Civil, então foi um esforço gigantesco e escreveu um código com mil e tantos artigos e uma das joias da coroa era a tal da audiência de mediação e conciliação que era obrigatória e ocorreria assim que o réu fosse citado. 

Ele não seria mais citado para apresentar uma contestação, ele seria citado para participar dessa audiência e só se não houvesse a audiência é que abria prazo para resposta. De lá para cá, essa audiência foi implementada e os Tribunais de Justiça criaram mais de mil centros de mediação e conciliação e o nosso aumento percentual de solução negociada de conflito foi tendente a zero. 

Por que? Por duas razões.

  • Primeiro por uma total ignorância das ciências comportamentais, vou dar um exemplo. Grande parte dos conflitos surge por uma assimetria informacional entre os conflitantes. Quando eu crio uma audiência de conciliação e mediação, que vai acontecer antes do réu apresentar contestação, eu não diminuí essa assimetria informacional entre as partes. As chances de conseguir um acordo ali são pequenas porque o autor não sabe o que o réu tá pensando porque ele não leu a contestação ainda, porque não foi apresentada. Esse é um ponto. 
  • O outro ponto, é que o legislador veio não só com essa inovação legislativa como com outras, criou uma lei de mediação extrajudicial, começou a falar de mediação e conciliação como institutos técnicos e como normas de direito processual. Só que isso é só a casca, no fim do dia você só consegue uma composição do conflito negociada por negociação e para negociar você precisa saber as técnicas e existem diversas técnicas, diversos métodos criados em vários lugares do mundo que são muito eficazes na resolução de conflitos, mas isso não foi levado em consideração pelo ensino Jurídico Brasileiro.

Você vai para a faculdade e o professor te ensina assim:

“Quando cita tem a audiência do artigo 334 do CPC e essa audiência funciona assim, e a diferença de conciliação e mediação é que uma atua como facilitadora, propondo soluções, na outra a facilitadora apenas encaminha as discussões. Mas isso não diz nada a respeito de como efetivamente eu soluciono conflito. Para isso, eu preciso conhecer as técnicas de negociação.”

Como que você tem visto esse processo de transformação no Direito com novas tecnologias?

Essa frase é polêmica e veio de uma observação do dia a dia. Por exemplo, há muito tempo que se faz marketing olhando para para economia comportamental, para neurociência. Toda e qualquer empresa que se preze aplica técnicas de gestão, procura-se nas instituições o desenvolvimento de lideranças e, por outro lado, quando você vai olhar para um escritório de advocacia, na sua grande maioria, é claro que tem exceções, esses escritórios não são geridos como se fossem empresas e mais ainda, claro, o poder Judiciário

E o mesmo ocorre com a adoção de tecnologia, basicamente até pouco tempo atrás o máximo que se tinha de tecnologia em um escritório era o Microsoft Office, eu tenho o Word, Excel, faço um PowerPoint de vez em quando, enquanto o mercado financeiro e outras empresas já trabalhavam com tecnologias muito sofisticadas.

No entanto, o direito é um pouco mais atrasado, mas quando a força é muito grande as coisas chegam e chegaram. Eu me lembro que em 2017 eu estava lá em Harvard em uma palestra e o professor falou exatamente isso: “Olha, vocês vão perder empregos para os engenheiros, que vão ser eles que vão criar os aplicativos que vão mudar o Direito”.

De lá para cá a coisa começou a mudar de fato, percebeu-se que havia um data lake grande de dados que poderiam ser analisados, percebeu-se que a tecnologia poderia automatizar muita coisa. Infelizmente eu acho que a tecnologia ainda não provocou tanta inovação, mas, finalmente, eu acho que o tempo chegou, grandes escritórios já estão investindo bastante em tecnologia e tudo foi acelerado pela pandemia.

Eu falava em Cortes online em 2018 e era praticamente ridicularizado, a minha Corte hoje é praticamente online, eu trabalho em casa, faço audiências virtualmente, não tenho nenhum processo em papel e o sistema de gestão de processos podem não ser perfeitos, mas eles existem e estão aí. Então eu acho que as mudanças finalmente estão acontecendo.

Leia também: Softwares Jurídicos: de gestão de documentos à Jurimetria

Como você vê essas tecnologias ajudando os escritórios a se colocarem nessa posição de empresa, de sustentabilidade financeira?

Excelente pergunta. Não dá para falar em corromper o Direito quando você quer que uma estrutura, chamada escritório de advocacia, funcione de uma maneira mais profissional, alocando seus recursos com mais eficiência, tentando entregar para o seu cliente o melhor resultado possível.

Na verdade, eu vejo é uma aproximação com a ideia de Justiça, com a ideia de fazer o Direito funcionar bem, com não sobrecarregar o Judiciário com aquilo que não precisa ser sobrecarregado, com ambientes mais saudáveis porque eu tenho muitos amigos advogados em que eu fico muito triste em perceber a saúde mental na função jurídica, porque quando você não tem gestão, não tem governança você trabalha naquele ritmo do go horse, com muito atrito, muito calor e a qualidade de vida das pessoas cai demais.

Leia também: Cultura organizacional nos escritórios de advocacia

Assim, a partir do momento que começa a utilizar tecnologia e tira o advogado das atividades repetitivas ou muito burocráticas ou acelera coisas que ele demoraria muito para fazer, como vocês fazem na Turivius, por exemplo, você libera tempo para o advogado e quando você libera tempo para as pessoas, o tempo é a coisa mais valiosa da humanidade junto com a atenção, o cara pode empregar esse tempo do jeito que quiser, para ficar com a família, captar mais clientes, focar em outros projetos. Eu vejo muita oportunidade de melhora.

Para finalizar, qual o futuro do Direito Brasileiro na sua visão?

Essa é uma pergunta muito difícil porque eu poderia olhar por exemplo politicamente, que é uma seara que eu não ando muito otimista. Eu vejo retrocessos em mudanças legislativas relacionadas ao combate à corrupção, por exemplo. Mas olhando sistemicamente, eu acho que a gente vem avançando, eu vejo uma Justiça mais acessível por conta da tecnologia, percebo que ela tende a se tornar uma Justiça mais célere, mas também acho que nem tudo é culpa ou solução do Direito.

A gente tem que ter um pouquinho de humildade e reconhecer que o Direito é um pedacinho, mas que tem outras questões sociais e administrativas importantes para o Brasil, contra quais ou pelas quais o Direito pode fazer um pouco.

Eu vejo com otimismo, eu acho que os advogados estão mais preocupados em desenvolver habilidades não jurídicas, não acho que as faculdades estão melhorando muito, mas estão mais preocupadas em ensinar tecnologia e eu vejo a Justiça evoluindo de maneira geral e adotando novas tecnologias e isso me parece bastante positivo. Eu sou otimista com pé no chão.

Leia também: Entrevista Paulo Silvestre: Direito em Transformação

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