Introdução
O conceito de eletromobilidade é o catalisador de uma disrupção inédita na correlação de forças entre as empresas do setor, permitindo a entrada de novos players, tais como a Tesla e fabricantes chinesas, algumas das quais alcançando grande êxito na venda de veículos elétricos.
Exemplificativamente, aponta-se que o Model Y da Tesla foi o modelo mais vendido do mundo no primeiro trimestre de 2023, desbancando companhias centenárias como a Toyota e Ford.
A rápida ascensão dos veículos elétricos, com a previsão de proibição de venda de veículos a combustão na Europa e Califórnia se aproximando, redirecionou a estratégia das companhias automotivas, que cada vez mais tem investido para a produção de carros elétricos populares.
No entanto, o cenário brasileiro está desconectado das tendências globais, com a venda episódica de veículos elétricos, com um total de 14.787 unidades vendidas no primeiro trimestre de 2023.
Enquanto na Noruega 79% dos novos carros vendidos em 2022 são movidos a bateria, a China foi responsável pela venda de 73% dos carros elétricos vendidos globalmente no último trimestre de 2022, o que trouxe um protagonismo e know-how extraordinário para as montadoras locais.
Diante deste quadro, natural a redução de investimentos da indústria automotiva no país, sendo exemplar dessa tendência a saída da Ford Motors do mercado brasileiro, passando a atuar apenas como importadora de veículos no mercado local, movimento em parte causado pela mudança de estratégia da companhia com o redirecionamento do foco dos investimentos para a fabricação de veículos movidos a bateria e o incipiente mercado brasileiro para tais automóveis.
Neste sentido, agora cabe indagar se há uma proposta tecnicamente superior à apresentada pelo Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (“MDIC”) para a atração de investimentos e ampliação das vendas no setor automotivo.
A proposta governamental para ampliação da venda de carros, ônibus e caminhões consiste no uso de créditos tributários para o oferecimento de descontos de R$ 2 mil a R$ 8 mil para carros, enquanto o desconto de caminhões e ônibus variará de R$ 33,6 mil a R$ 99,4 mil, com custo previsto do programa alcançando a quantia de R$ 1,5 bilhão.
Uma proposta alternativa para a indústria automobilística
No ano de 2022 locadoras e frotas foram os principais compradores de carros no país, superando as vendas ao varejo. A principal característica do uso comercial de carros é a sua intensa utilização, operando por mais horas diárias que veículos adquiridos por pessoas físicas para os deslocamentos cotidianos.
Nesse contexto, a aquisição de veículos elétricos já se mostra atrativa, tendo em vista o seu menor custo de manutenção e para abastecimento.
Corroborando o afirmado, a consultoria Mckinsey indica que veículos elétricos em 2025 serão mais baratos que os movidos a combustão, considerando-se o custo total de propriedade, ou seja, incluindo o custo de aquisição, depreciação, abastecimento e manutenção dos veículos, em todas as categorias.
Dito de outro modo, a expectativa é que em 2025, quando se considera o custo global de um veículo, mesmo tendo um custo inicial mais alto, adquirir um veículo elétrico será mais econômico.
Ademais, não se devem ignorar os benefícios sociais adicionais decorrentes da redução do total de emissões de CO2 advindas da eletrificação da frota, questão extremamente conectada com a agenda ESG e que já produz efeitos palpáveis para as empresas, seja por meio da elegibilidade a financiamentos verdes, inserção em índices de empresas sustentáveis em bolsas de valores, reconhecimento dos consumidores de que a empresa é ambientalmente responsável e proteção contra a tendência global (especialmente europeia) de taxação das emissões de CO2 e eventual proibição de importação de produtores poluidores.
Diante de todos os benefícios advindos da eletrificação das frotas comerciais, aqui inclusas as de ônibus e caminhões, não seria o caso de incentivarmos a modernização da indústria automobilística nacional ao invés de focarmos na venda de veículos a combustão?
Para tanto, seria possível a conjugação de contratação de financiamento verde às empresas adquirentes de veículos elétricos, subsídios tributários, que não precisariam superar os valores da proposta do MDIC, e uso do poder de compras públicas para dar escala à fabricação dos veículos elétricos localmente.
Em relação às compras públicas, seria possível que as licitações para o transporte municipal, intermunicipal e interestadual por ônibus recebessem incentivo da União para que houvesse a exigência de eletrificação de toda a frota prestadora do serviço.
Tal medida seria capaz de criar uma demanda grande o suficiente para que as fabricantes atualizassem as linhas de produção para a fabricação de ônibus elétricos, trazendo benefícios tanto aos usuários de transporte público quanto demais munícipes com a redução da poluição atmosférica e sonora nas metrópoles brasileiras, caracterizadas pela falta ou insuficiência de opções de transporte de massa.
Assim, a atuação concertada dos entes federativos seria apta a provocar uma revolução na qualidade de vida da maioria da população brasileira, com o uso de um transporte ambientalmente correto e silencioso.
Quanto aos caminhões, é possível, ao menos em tese, que empresas que recebam empréstimos subsidiados ou gozem de benefícios fiscais sejam compelidas a eletrificar a sua frota de modo a continuar usufruindo de tais benefícios.
Esse conjunto de medidas teria o condão de conciliar a necessidade de manutenção dos empregos na indústria automotiva, bem como em sua grande cadeia de fornecedores, enquanto traz benefícios tangíveis à população, por meio da redução do consumo de óleo diesel (e as discussões frequentes tanto sobre o seu preço quanto à necessidade de subsídios a um combustível poluente), bem como redução da poluição sonora e atmosférica nas metrópoles.
Conclusão
Ao longo do presente artigo, foram apontadas de modo perfunctório as principais vantagens na eletrificação da frota de veículos brasileiros, sendo uma alternativa viável ao atual programa de incentivos à venda de veículos a combustão.
Sendo conhecidas as vantagens ambientais e econômicas (quando considerada a toda vida útil) na aquisição de carros, ônibus e caminhões elétricos em comparação aos movidos a combustão, não obstante o custo maior para a compra dos veículos elétricos.
Conclusivamente, tendo em vista a decisão política de incentivar a subsidiar a venda de veículos no Brasil, entende-se que a opção que melhor concilia a atração de investimentos na indústria automotiva, manutenção de empregos, aumento da atividade econômica e melhoria da qualidade de vida da população por meio da redução da poluição sonora e atmosférica com redução do preço das passagens é que tal programa tenha por foco a eletrificação da frota de uso comercial no país.
Com o ganho de escala advindo de tal incentivo, considera-se provável a redução do custo de aquisição desses veículos no varejo, o que fomentaria a ampliação do mercado consumidor para veículos elétricos, inclusive com a possibilidade de transformação do Brasil numa plataforma de exportação de veículos elétricos para a América Latina e outros países.