O momento do reconhecimento de ganhos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado e seus reflexos tributários – repercussões da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS pelo STF (Tema 69)

A “antiga” controvérsia jurídico-contábil ganha um novo capítulo: repercussão da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS
Rodrigo Schwartz Holanda
Rodrigo Schwartz Holanda
Mestre em Direito Tributário - PUC/SP. Advogado e contador. Professor conferencista IBET. Sócio do Menezes Niebuhr Advogados Associados.

Introdução

Após um período de grande incerteza jurídica, o Supremo Tribunal Federal finalmente julgou a modulação dos efeitos da decisão proferida no “caso do século”, viabilizando o trânsito em julgado e a consequente aplicação do entendimento vinculante acerca da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS nos processos judiciais que aguardavam o posicionamento.

exclusão de ICMS

Com isso, uma “antiga” controvérsia jurídico-contábil ganha um novo capítulo. Acompanhe o artigo!

Repercussões da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS pelo STF (Tema 69)

Trata-se do momento de reconhecimento dos ganhos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, à luz de seus contornos jurídico-contábeis.

Nesse contexto, o ponto de partida de nossa análise remete à distinção entre os critérios contábeis de reconhecimento dos ativos tributários e o aspecto material da hipótese de incidência jurídico-tributária veiculada no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN).

O objetivo é apartar a disciplina de reconhecimento contábil dos ganhos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado daquela relativa à incidência de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Pela perspectiva contábil, o reconhecimento judicial do indébito tributário, devidamente transitado em julgado, assume o caráter de ativo, conceito definido como “recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados” (item 4.3 do Pronunciamento Técnico 00 – R2 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis). 

Sob tal definição, recursos econômicos caracterizam-se como “um direito que tem o potencial de produzir benefícios econômicos” (item 4.4 do CPC 00 – R2).  Ainda sob esse aspecto, exsurge outra figura prevista pelo pronunciamento, o ativo contingente, cuja efetiva confirmação depende de eventos futuros e incertos (item 20 do CPC 25), razão pela qual sua incerteza impede o reconhecimento contábil. 

O timbre de contingente o afasta, note-se, porque a ciência contábil prestigia o reconhecimento de ativos tributários “praticamente certos”, independentemente de sua efetiva realização financeira, desde que mensuráveis e com potencial de desencadear benefícios econômicos para a entidade.

Pela lente tributária, porém, a disponibilidade efetiva do ativo – caracterizada pela possibilidade de dispor juridicamente sem reservas ou condicionantes – é pressuposto para a tributação da renda. 

Por mais que, num raciocínio rápido, o reconhecimento do ativo em contrapartida à conta de receita sugira que esses ganhos deveriam ser oferecidos à tributação, não se deve perder de vista que o lançamento contábil reflete um aumento patrimonial “praticamente certo”.

Há que observar uma ordem de expedientes para a determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A tributação desses valores não pode ocorrer de forma acrítica, cumprindo observar (i) as condições de aproveitamento do crédito, (ii) a documentação que suporta os registros dos valores pagos indevidamente, (iii) a forma processual utilizada pelo contribuinte, (iv) o conteúdo da decisão com trânsito em julgado e (v) a acomodação dessa decisão aos termos da modulação de efeitos pelo Supremo Tribunal Federal.  

Veja que, enquanto a contabilidade observa os fatos pela perspectiva do potencial de produção de riqueza e impõe o reconhecimento dessas expectativas – nas balizas do CPC 25 –, a tributação da renda pressupõe a efetiva “aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica”. 

Em outras palavras, a autonomia do ordenamento jurídico vis-à-vis das normas contábeis se confirma mediante a exigência de reconhecimento jurídico da renda como ativo efetivamente realizado conforme a hipótese normativa (artigo 43 do Código Tributário Nacional), o que pressupõe a incorporação ao patrimônio da pessoa jurídica.  

Entre as possíveis interpretações sobre a realização da renda no contexto das decisões judiciais transitadas em julgado, encontra-se na jurisprudência pronunciamento no sentido de que a inscrição do indébito tributário em precatório seria suficiente para sua sujeição à tributação sobre a renda, na medida em que o precatório se caracteriza como “documento que veicula um direito de crédito líquido, certo e exigível proveniente de uma decisão judicial transitada em julgado”, traduzindo “um direito cuja aquisição da disponibilidade econômica e jurídica já se operou” [2]

Esse entendimento é pautado pela circunstância de ser possível a cessão dos créditos consignados em precatório por seu beneficiário, o que atestaria sua disponibilidade jurídica e econômica.

O tema ganha outros contornos, porém, tratando-se de decisão judicial transitada em julgado que reconhece o direito do contribuinte à compensação desses créditos em Mandado de Segurança. 

Nesse aspecto, a Receita Federal possui antigos pronunciamentos cuja premissa básica diz respeito ao caráter potestativo do direito à compensação, isto é, ao fato de ser “exercido pelo seu titular sem a necessidade de colaboração do devedor” (Solução de Divergência COSIT n. 19/2003). 

Com relação ao aspecto temporal dos tributos sobre a renda correspondente a créditos de compensação, esse pronunciamento dispõe que o indébito deve ser levado à tributação, pelo regime de competência, quando seu valor for certo ou, se a decisão for ilíquida, “no trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (art. 741, inciso V, do CPC); ou na expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos”.

Convém realçar uma fragilidade da qual padece esse entendimento. A análise da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil n. 1.717/2017 é clara ao estabelecer que o devedor, nesse caso, a própria Fazenda Nacional, necessita “colaborar” para o exercício do direito de compensação do contribuinte. 

Destacam-se, nesse sentido, os arts. 100 e 101 da aludida norma, referentes à exigência de habilitação do crédito a ser compensado por auditor fiscal da Receita Federal, debilitando a tese de seu caráter potestativo. 

A despeito da natureza declaratória (e não constitutiva) da habilitação, a exigência não deixa de constituir verdadeiro óbice ao gozo do direito pelo contribuinte e, consequentemente, à materialização do aspecto material do art. 43 do CTN: à disponibilidade econômica ou jurídica do ganho obtido judicialmente.

Nesse sentido é que se deve prestar especial atenção à necessidade da efetiva realização da renda para fins de incidência tributária, conforme já decidiu o CARF. Em precedente da lavra do então Conselheiro Relator José Antônio Minatel (Acórdão n. 108-05.636), ficou assentado que, “no campo das transações comerciais com vendas de mercadorias”, por exemplo, “a característica da ‘troca’, por dinheiro ou por outro elemento do ativo, é determinante para que se considere a receita realizada”. 

No que diz respeito ao aproveitamento de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, por sua vez, apenas “a efetiva utilização do direito para liquidar outra obrigação tributária registrada no passivo da empresa (compensação) […] traduziria a mencionada ‘troca’ que tipifica a realização daquele direito”. 

É dizer que, apesar do caráter definitivo que marca o trânsito em julgado de decisão reconhecendo direito à compensação de indébito tributário, esse direito permanece mera potencialidade até sua efetiva realização (inclusive contestável quando da requisição de sua habilitação), em cujo momento tão somente vem a se perfectibilizar a materialidade do art. 43 do CTN, fazendo surgir a obrigação tributária correspondente.

Em adição a tais considerações, repisa-se que o direito obrigacional é marcado por uma relação reflexiva: ao credor corresponde um devedor e, consequentemente, o crédito não se deixa apartar do débito. 

Dessa feita, outra possível leitura sobre a matéria nos conduziria à conclusão de que não há como se falar em realização do crédito (nem de seu reconhecimento para composição da base de cálculo de tributos sobre a renda) quando o devedor ainda não incorreu em custo ou despesa correspondentes. 

Nesse sentido, o reconhecimento do acréscimo patrimonial experimentado pelo contribuinte com o reconhecimento judicial de seu direito, para fins de determinação de seus reflexos tributários, se dá apenas “à medida que se tornam despesas incorridas para o Poder Público”, como também já decidiu o CARF (Acórdão n. 1402-001/705).           

Em conclusão, ressalta-se que as informações constantes das demonstrações contábeis não podem ser transportadas para a determinação da base de cálculo dos tributos sobre a renda de forma irrefletida. 

Isso se deve, entre outras razões, ao fato de que a ciência contábil é pautada por uma visão prospectiva, congregando passado, presente e futuro, ao passo em que a incidência tributária se dá sobre lapso temporal especificamente determinado pela lei. 

Tratando-se de tributação da renda, a incidência se dá apenas com o efetivo acoplamento do acréscimo patrimonial, consubstanciado em sua realização. Com isso apenas está-se a reiterar o núcleo material da hipótese normativa: a disponibilidade efetiva para o sujeito ativo da ação judicial transitada em julgado dos créditos nela reconhecidos.


[1] Rodrigo Schwartz Holanda – Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogado tributarista. Bacharel em Ciências Contábeis. Professor de Direito Tributário do IBET/SC. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP. Especialista em Processo Civil. Pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo. Sócio do Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados.

[2]RMS 42.409/RJ. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma.

Sumário

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