Sistemas que conseguem diagnosticar doenças, dirigir carros autônomos, elaborar contratos… A inteligência artificial tem transformado nossa visão de mundo e nosso estilo de trabalhar.
Entretanto, os impactos dessa transformação ainda não são totalmente conhecidos. Neste ponto, o Direito surge em cena, trazendo inovações e reflexões sobre a nossa metamorfose digital.
Afinal, o que “faz” a Inteligência Artificial?
Para compreendermos a relação entre o Direito e a Inteligência Artificial e, conhecermos o estado da arte, é necessária uma breve análise da ideia de Inteligência Artificial.
Diferentemente do que pensa o senso comum, ainda não estamos em um cenário de ficção científica com carros voadores e robôs sencientes. Entretanto, é evidente que a inteligência artificial em nossos dias tem se sofisticado de forma cada vez mais acelerada.
Atualmente, grande parte da Inteligência Artificial disponível é utilizada para automatizar tipos específicos de tarefas que exigiriam algum grau de inteligência humana. Assim, quando dirigimos um carro ou jogamos xadrez, por exemplo, estamos utilizando processos cognitivos dessa inteligência existente em seres-humanos.
Sob este ponto de vista, o que a Inteligência Artificial faz, na maioria das tarefas para as quais é utilizada, consiste em aplicar algum grau de inteligência programada – e, por isso, “artificial” – para automatizar a execução de tarefas. O objetivo primordial dessa automatização está voltado a um ganho de eficiência econômica e social.
Em geral, a Inteligência Artificial provoca a otimização de procedimentos envolvidos em várias atividades, uma vez que a máquina é menos suscetível a erros na execução de tarefas e não está exposta a problemas inerentemente humanos.
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Além disso, a automatização pela Inteligência Artificial favorece um melhor aproveitamento de tempo, já que ao invés de ficar horas em frente ao computador escrevendo uma minuta de contrato, um advogado que possua um sistema programado para este fim, poderá investir mais tempo analisando questões estratégicas de um eventual caso concreto.
Voltando a questão do senso comum e dos filmes de ficção científica, é importante destacar que, atualmente, a automatização dessas tarefas envolvendo a Inteligência Artificia l não é necessariamente “inteligente” do ponto de vista humano. Isso porque, a grande maioria dos sistemas de Inteligência Artificial disponíveis ainda não são máquinas que pensam por si próprias e que desenvolvem habilidades cognitivas.
Grande parte dos sistemas existentes, especialmente, na área do Direito, envolve o que os pesquisadores convencionam chamar de “detecção de padrões ou aproximações computacionais”.
Por conseguinte, esses sistemas automatizam tarefas por meio da identificação de padrões repetidos – através dos quais a máquina “descobre” o que fazer – ou, por meio de informações, dados e regras disponíveis em formulários computacionais e códigos elaborados por seus programadores. Logo, não são “máquinas pensantes” ou que teriam algum tipo de inteligência equivalente à do “pensamento humano” – conceito ainda muito debatido na própria neurociência e filosofia.
Assim, ressalvadas algumas polêmicas discussões sobre o assunto, a vasta maioria dos sistemas de Inteligência Artificial atuais não possuem capacidade de raciocínio, compreensão ou resolução de problemas iguais aos da nossa cognição humana.
Inteligência Artificial e Direito
A ideia segundo a qual a tecnologia serviria como grande aliada do Direito surge ainda no século XVI com o matemático e jurista Gottfried Leibniz. Para Leibniz a linguagem do Direito também poderia ser traduzida em fórmulas matemáticas, por meio das quais obteríamos a resposta para os problemas jurídicos que se apresentam no dia-a-dia.
Essa ideia ecoou através dos séculos e, com a crescente aplicação da tecnologia ganhou a sofisticação vista nos mecanismos de “machine learning” e “deep learning”.
Mas, o que isso tem a ver com o universo do Direito? Bem, ele tanto é transformado pela Inteligência Artificial, através dos serviços que já são ofertados no mercado e que automatizam atividades legais, como também transforma o cenário no qual a Inteligência Artificial atua, exercendo função “regulatória” e ética sobre as novas tecnologias.
Trata-se, portanto, de uma relação dual, de simbiose entre inteligência Artificial e Direito. As profissões jurídicas são transformadas pela Inteligência Artificial ao mesmo tempo em que também deverão regular os usos dessa tecnologia e suas implicações éticas no futuro.
De qualquer sorte, até o presente momento, não há muito o que temer. As atividades jurídicas já automatizadas não implicam em um cenário apocalíptico de extinção da figura do advogado.
Conforme já pontuamos ao longo desse texto, atualmente, os sistemas de Inteligência Artificial no mundo do Direito tendem a funcionar melhor para automatizar atividades onde já existem padrões, regras e “respostas corretas” que podem ser acessadas pelo código da máquina através da detecção de padrões e informações.
É o que fazem alguns serviços de “consultoria jurídica” oferecidos por lawtechs nos quais um software fornece orientação sobre um determinado problema jurídico, por meio do acesso e combinação das informações disponíveis na rede.
Além de todas essas tecnologias precisarem ser “mediadas” por profissionais humanos – o que reafirma a importância da figura do profissional do Direito nesses serviços – a Inteligência Artificial ainda tem uso bastante incipiente em áreas que demandam um alto nível de raciocínio abstrato, conceitual, valorativo ou que requeira persuasão e intuição.
Por isso, afirmar que políticas públicas possam ser completamente definidas por mecanismos de Inteligência Artificial ou que “hard cases” no Direito possam ser resolvidos pelo “machine learning” ainda é mera especulação.
Assim, é necessário um maior desenvolvimento e discussão interdisciplinar sobre a aplicação de uma “Inteligência Artificial Forte” nos âmbitos do Direito que envolvam um nível de subjetividade, hermenêutica, ou que sejam guiados por valores constitucionais e conceitos abertos, por exemplo.
Isso nos ajuda a compreender em que áreas do Direito a Inteligência Artificial pode ser melhor aplicada e onde ela ainda é um tópico sob discussão. Dito isto, temos uma visão geral da Inteligência Artificial atuando sobre o universo jurídico como uma ferramenta de inovação que torna o Direito mais acessível, previsível e até mesmo compreensível para advogados e seus clientes.
Logo, o grande escopo dos serviços jurídicos já disponíveis no mercado da Inteligência Artificial é a eficiência em termos gerais, tornando os profissionais do Direito mais eficientes em sua prática diária, bem como transformando o Direito, em sentido amplo, em prol de um ganho de eficiência social.
Existem várias formas de abordar e classificar estes serviços que utilizam a Inteligência Artificial dentro do Direito. Para fins didáticos, podemos utilizar a própria terminologia jurídica para trabalhar essas possibilidades, no âmbito do “Direito Público” e do “Direito Privado”.
Confira definição de Inteligência Artificial e os impactos no Direito segundo Danilo Limoeiro, CEO da Turivius:
Impactos da inteligência Artificial no Direito Público
Para os fins dessa distinção, no âmbito do “Direito Público” podemos tratar a administração pública em sentido amplo, incluindo os órgãos de administração da justiça como juízes, desembargadores, membros do Ministério Público, Polícia e servidores públicos em geral, bem como os órgãos legislativos e executivos. Neste domínio, a inteligência artificial será utilizada como ferramenta de inovação e eficiência por aqueles que criam e aplicam o Direito.
Aqui, a Inteligência Artificial pode ser utilizada como ferramenta para auxiliar a prolação de decisões jurídicas e a criação de legislação, atos normativos e políticas públicas em geral. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, há sistemas que empregam a tecnologia de Inteligência Artificial para aferir o risco de reincidência de acusados em ações criminais.
Por mais polêmico que isso possa parecer em um primeiro momento, há um certo consenso de juristas sobre o uso dessa “avaliação preditiva” como ferramenta subsidiária que auxilia na decisão judicial.
No Brasil, um exemplo muito interessante é o software “Victor” implementado no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual utiliza do mecanismo do “machine learning”. Victor realiza a análise do requisito de repercussão geral nos recursos extraordinários que chegam ao STF.
Por meio desse sistema, o Supremo teve um ganho de eficiência gigantesco na realização do juízo de admissibilidade desses recursos, que agora levam em média apenas 5 segundos para serem concluídos. O sistema acarretou a diminuição de 80% de recursos extraordinários dentro da Corte.
Atualmente, existe apenas uma equipe de servidores que realiza a revisão das matérias de repercussão geral, mas, que não necessita atuar na sua análise inicial, que agora é feita pelo algoritmo. Além disso, Victor atua na sistematização da jurisprudência do STF em súmulas, favorecendo a unificação de uma teoria de precedentes no Direito brasileiro, conforme preconiza o novo Código de Processo Civil.
Impactos da inteligência Artificial no Direito Privado
Já no âmbito do “Direito Privado”, podemos concentrar todos os profissionais do Direito, como advogados, consultores, professores, além das empresas, organizações e, outras pessoas jurídicas da iniciativa privada, que se utilizam das ferramentas de Inteligência Artificial para alavancar sua prática profissional e de negócios.
Os profissionais do Direito neste âmbito realizam várias tarefas de aconselhamento a clientes, pesquisa de precedentes e de legislação, redação de contratos e pareceres, protocolo de ações, etc. Essas tarefas já podem ser realizadas de modo total ou parcial por sistemas de inteligência artificial.
Softwares de jurimetria que atuam na “análise preditiva” ou estatística de precedentes para um caso concreto, assim como softwares de redação e revisão de minutas contratuais já estão disponíveis no mercado.
Esses serviços são muito requisitados, especialmente, no âmbito do Direito Empresarial, uma vez que podem remodelar a própria gestão de um departamento jurídico tornando-o automatizado, mais eficiente e com o registro fidedigno das informações e atividades realizadas.
A própria revisão de documentos longos e cheios de terminologias jurídicas, que era uma tarefa tradicional dos advogados nas empresas, pode ser efetuada pela Inteligência Artificial em segundos. Escritórios que atuam com a prática de “contratos em massa” podem elaborar e revisar uma centena de documentos de uma só vez.
Isso abre tempo e espaço na rotina dos advogados para que possam se dedicar a atividades mais complexas e estratégicas da sua profissão, as quais envolvem o raciocínio abstrato e a tomada de decisões que ainda não podem ser realizados de forma única e exclusiva pela Inteligência Artificial.
Dentre essas inovações, destacam-se a “codificação preditiva” e a “revisão assistida” nas lawtechs. Atualmente, um dos mais requisitados mecanismos é a previsão de resultados jurídicos pelos softwares que verificam a força de uma determinada tese jurídica nos tribunais, de maneira hipotética ou real. Deste modo, é possível antecipar o desfecho de um litígio judicial, compreendendo de maneira mais concreta e objetiva se “valeria a pena” ingressar com determinada ação no Poder Judiciário.
Estes são alguns exemplos comuns, em um rol não exaustivo, que podem ser apresentados sobre o universo da Inteligência Artificial e Direito.
Conforme se pode perceber, esses sistemas são capazes de automatizar tarefas para as quais já existe uma estrutura lógica ou padrão a ser aproveitado pela máquina. Já as tarefas jurídicas que exigem o uso da cognição abstrata, da inteligência emocional ao lidar com temáticas mais sensíveis para determinados perfis de clientes, bem como de questões subjetivas e valorativas, tendem a não serem automatizadas pela Inteligência Artificial. Entretanto, o futuro, talvez não muito distante, dirá.
O futuro da profissão jurídica a partir da IA
Muito poderia ser considerado sobre a relação entre a Inteligência Artificial e o Direito em nosso mundo. Entretanto, o principal a destacar é que se trata de uma relação multifacetada e dual que abre infinitas possibilidades para novos modos de pensar, de trabalhar e de criar o Direito.
Os profissionais da área continuam tendo papel fundamental nesta mudança e devem ser os atores principais neste processo, por meio da atualização constante de conhecimentos e da busca por novas oportunidades.
Não se trata de perder os espaços já consolidados, mas, sim, de criar um novo propósito para o “operador do Direito”: não mais o “operador” – pois quem “opera” agora é a máquina – mas, sim aquele que pensa e cria soluções para o Direito.
A automatização de tarefas jurídicas burocráticas, repetitivas e técnicas deverá propiciar o tempo necessário para que o advogado possa refletir sobre a sua própria prática e incorporar este propósito.
Além das transformações relacionadas às profissões jurídicas, o Direito é um instrumento balizador da reflexão moral sobre própria a Tecnologia. Inovações tecnológicas que levem a uma ameaça aos Direitos Humanos, por exemplo, devem ser um tema em constante discussão e monitoramento.
Neste sentido, podemos pensar em tecnologias que levem a criação de “viés” favorável a uma das partes em um litígio, da vigilância total e violação de privacidade, da generalização do preconceito racial e de gênero por meio do “profiling” ou “facial recognition”, etc.
O Direito pode atuar na criação de padrões éticos mínimos visando coibir essas potenciais violações. Assim, são inúmeras as possibilidades para os profissionais da área atentos às transformações sociais ensejadas pela expansão da tecnologia. Cabe a nós, juristas, darmos forma e rumo a esta metamorfose jurídica e digital.
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