O Princípio da Capacidade contributiva, ou seja, a capacidade para recolher tributos é um princípio segundo o qual institui a recomendação constitucional de customização de impostos, de acordo com as realidades econômicas e financeiras dos cidadãos e empresas.
Acompanhe o artigo abaixo e saiba mais sobre a importância deste princípio para a aplicação da justiça fiscal.
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Conceito constitucional de capacidade contributiva
No atual cenário de grandes instabilidades econômicas e financeiras provocados pela COVID-19, é fundamental a análise da capacidade contributiva das empresas e cidadãos, em prol do aprimoramento da justiça fiscal.
O art. 145, §1º da Constituição Federal estabelece que os impostos, sempre que possível, serão graduados pela capacidade contributiva:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O conceito de capacidade contributiva pode ser definido, numa primeira aproximação, como a aptidão da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário para suportar a carga tributária, numa obrigação cujo objeto é o pagamento de imposto, sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação.
Roque Antonio Carrazza escreve que não é uma simples recomendação constitucional ou simples apelo, ou agravo ao legislador infraconstitucional a graduação dos impostos de acordo com a capacidade econômica dos contribuintes, inter plures:
O sentido desta norma jurídica é muito outro. Ela, segundo pensamos, assim deve ser interpretada: se for de índole constitucional do imposto, ele deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.
Ou, melhor: se a regra-matriz do imposto (traçada na Constituição Federal) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva […]
A propósito, como sempre lembra Paulo de Barros Carvalho, “o Direito só opera no campo do possível”. […]
Rui Barbosa, todo poder encerra um dever. Quando a Constituição confere a uma pessoa política um poder, ela, ipso facto, lhe impõe um dever. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes-deveres.
Sobre o instituto, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ilmar Galvão, cita em trecho do voto RE 204827-5, julgado em 12/12/1996, o saudoso Geraldo Ataliba, com trechos de Paulo de Barros Carvalho e Roque Antonio Carrazza:
Dissertando a respeito do tema, o saudoso Geraldo Ataliba, depois de afirmar, citando Paulo Barros Carvalho, que o princípio da capacidade contributiva está contido “nas dobras do princípio da isonomia” e que constitui ele “a aplicação, no setor da tributação, da igualdade de tratamento que o Estado deve aos cidadãos (Roque A. Carrazza), conforme o art. 150, II, da CF (LGL19883)”, acrescenta que esse princípio, o da capacidade contributiva, “traduz-se na exigência de que a tributação seja modulada de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes. Implica que cada lei tributária tenha por efeito atingir manifestações, ou aspectos dessa riqueza, sem destruir sua base criadora. O sistema tributário (entendido como “conjunto de impostos”, na perspectiva pré-jurídica) e cada imposto hão de adequar-se à “capacidade econômica” dos contribuintes”, certo que “capacidade econômica” há de entender-se como real possibilidade de diminuir-se patrimonialmente o contribuinte, sem destruir-se e sem perder a possibilidade de persistir gerando a riqueza como lastro à tributação”, dado que “a violação dessa — pelos excessos tributários — configura confisco, constitucionalmente vedado”. (Geraldo Ataliba, “IPTU – Progressividade”, “Cadernos de Direito Municipal”, em RDP 93/233). (Grifos nossos)
Referido conceito de Geraldo Ataliba é aceito por boa parte da doutrina, com destaques especiais para Regina Helena Costa e Luciano Amaro. Acertadamente, é um excelente ponto de partida para iniciarmos o debate sobre o princípio da capacidade contributiva.
Ao lado do princípio da personalização, ressurgiu expressamente na Constituição de 1988 (1824 e desaparecera em 1967), expressa a ideia de que “de cada contribuinte, deve ser exigido o tributo adequado à sua capacidade econômica, que Ricardo Lobo Torres filia ao milenar princípio suum cuique tribuere”.
Traduz-se na ideia de que “onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água.”
Citado autor conclui pela existência de uma dicotomia entre arrecadar preservando a eficácia legislativa e a preservação do contribuinte, almejando evitar excessos que comprometam a sua subsistência, ou o exercício de outros direitos fundamentais.
No mesmo sentido, Leandro Paulsen preleciona que “Onde inexiste riqueza, não pode haver tributação. E a riqueza tem de ser real, não apenas aparente”.
Roque Antonio Carrazza, nos lembra que os tributos são principais instrumentos de fiscalidade carreando dinheiro aos cofres públicos, entretanto, “as pessoas não existem para sustentar o Estado; ele é que existe para ampará-las e desenvolver-lhes as aptidões” (primum vivere, deinde tributum solvere).
Regina Helena Costa realiza um apanhando geral sobre os conceitos, em que para Griziotti refere-se ao potencial que possuem os contribuintes (submetidos a soberania fiscal) para contribuir com às despesas públicas; para Rubens Gomes de Souza seria a soma das riquezas após o mínimo existencial, “riqueza essa que pode ser absorvida pelo estado sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas”; para Emilio Giardina é a “possibilidade econômica de pagar tributos”; já Moschetti preconiza que trata-se da “força econômica do contribuinte”.
Leandro Paulsen, complementando o conceito originalmente desenvolvido por Griziotti, depreende do citado princípio que o Estado deve exigir dos seus cidadãos a contribuição para as despesas públicas de acordo com a sua capacidade econômica, para que os mais ricos contribuam progressivamente mais, em relação aos menos providos de riquezas, em que “há vários modos diferentes através dos quais se revela e se viabiliza a aplicação do princípio da capacidade contributiva, dentre os quais:
- imunidade;
- isenção;
- seletividade;
- progressividade”.
Nos mesmos termos, o referido autor realiza outro apanhado doutrinário, citando Klaus Tipke, em que o “princípio da capacidade contributiva não pergunta o que o Estado fez para o cidadão individual, mas o que este pode fazer para o Estado.
Isto se harmoniza com o princípio do Estado social”; já nas lições de Fábio Canazaro, “apresenta-se como um critério de comparação, garantindo a igualdade horizontal e a igualdade vertical, em relação à graduação do ônus de alguns tributos”, sendo a igualdade horizontal o tratamento equânime legislativo aos contribuintes na mesma situação fática de capacidade, e “igualdade vertical é promovida por meio da edição de norma que estabeleça tratamento diverso para contribuintes com capacidades diversas”.
Avançando nesta direção, Regina Helena Costa, aborda a tríplice significação clássica de capacidade contributiva segundo Petro de Ayala e Eusebio Gonzáles, em três planos, a) jurídico-positivo, b) ético-econômico e c) técnico-econômico:
No plano jurídico-positivo a capacidade contributiva significa que um sujeito é titular de direitos e obrigações com fundamento na legislação tributária vigente, que é quem vai definir aquela capacidade e seu âmbito. No plano ético-econômico, por sua vez, relaciona—se com a justiça econômica material. Aqui se designa por ‘capacidade contributiva’ a aptidão econômica do sujeito para suportar ou ser destinatário de impostos, que depende de dois elementos: o volume de recursos que o sujeito possui para satisfazer o gravame e a necessidade que tem de tais recursos.
Por fim, em nível técnico ou técnico-econômico têm-se em conta todos os princípios, regras procedimentos e categorias relativos à operatividade e eficácia arrecadatória dos impostos. Portanto, têm capacidade contributiva, segundo esta concepção, aqueles sujeitos que (a) constituam unidades econômicas de possessão e de emprego de recursos produtivos ou de riqueza, (b) sejam facilmente identificáveis e avaliados pela Fazenda Pública como suscetíveis de imposição e (c) estejam em situação de solvência presumidamente suficiente para suportar o tributo.[…]
O afirmado fez ressaltar o sentido ético do princípio, revelando-o, mesmo, como o critério ético da imposição tributária, posto que responde aos reclamos da justiça tributária, voltada à minimização das disparidades sociais e econômicas.
Portanto, a capacidade contributiva compreende à aptidão do contribuinte para suportar a carga tributária de forma proporcional, progressiva seletiva, e igualitária quando idêntica às riquezas ou desigual na exata medida da desigualdade econômica, numa obrigação tributária cujo objeto é o pagamento de imposto, sem o perecimento da riqueza lastreadora da tributação, respeitando o mínimo vital materializando o princípio da dignidade humana [menschenwürde], de maneira simples e eficiente.
Capacidade contributiva limitadora do conceito de renda: análise da disponibilidade da renda ou provento de qualquer natureza
Em razão de que não é possível conceituarmos o que é renda ou provento de qualquer natureza, e todos seus elementos devido ao espaço que é dado, remete-se aos ensinamentos do professor José Antônio Minatel sobre o assunto.
No entanto, parte do conceito constitucional de renda é pressuposto fundamental ao presente ensaio, isto é, a disponibilidade econômica ou jurídica da renda.
O caput do art. 43 do Código Tributário Nacional estabelece o quesito da disponibilidade econômica ou jurídica da renda para materialização do fato gerador, vejamos: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:”
Conforme lições do professor José Antônio Minatel, nas aulas expositivas na disciplina de tributação sobre a renda das pessoas jurídicas, por disponibilidade econômica entende-se a riqueza nova, em outros palavras o dinheiro que ingressou no caixa. Já a disponibilidade jurídica se traduz no direito que possa ser exercido pelo titular a ponto de permitir destinações ou extinção de obrigações.
Passamos a analisar o Recurso Extraordinário n° 614.406, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 23/10/2014, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, a qual votou no sentido de que a disponibilidade econômica seria o regime contábil de caixa, e a disponibilidade jurídica o regime de competência.
No entanto, como será visto no decorrer deste tópico, conforme às lições expositivas do professor José Antônio Minatel, a disponibilidade econômica não se resume no regime de caixa, da mesma forma que a disponibilidade jurídica não se resume ao regime de competência.
No mencionado RE n° 614.406, a Ministra Cármen Lúcia considerou no seu voto vista brilhantes lições doutrinárias de Hugo de Brito Machado lecionado que “Não basta ser credor da renda se esta não está disponível, e a disponibilidade pressupõe ausência de obstáculos jurídicos a serem removidos.”, ao analisar se o imposto de renda deveria ter como base de cálculo o valor das parcelas mensais a que teria direito o beneficiário, ou se deveria ser calculado sobre o montante final recebido em atraso.
As lições de Hugo de Brito Machado reproduzidas no Supremo Tribunal Federal no julgamento do recurso extraordinário supra, destacam que o fato gerador é a aquisição da disponibilidade da renda.
Diego Garcia Mendonça, através de comentários editoriais da Revista dos Tribunais em jurisprudência comentada, realiza os seguintes apontamentos:
Elucidando a ambiguidade dos conceitos de disponibilidade econômica e jurídica, definem a primeira como a revelar que ‘alguém pode, efetivamente, tomar, usar e alienar bem ou direito’. A segunda configura-se quando o ‘titular pode, embora não haja recebido fisicamente a coisa ou o ‘direito dele fazer uso ou tirar os proveitos resultantes do domínio, porque a lei ou o contrato lhe o permitem, mesmo sem que seja preciso ter a sua detenção material’ (Antônio Carlos García de Souza, Gilberto de Ulhôa Canto e Ian de Porto Alegre Muniz)”.
Neste compasso, o CARF no julgamento do processo n° 19515.722229/201279, de relatoria da Conselheira Adriana Gomes Rêgo, realizou profunda análise na disponibilidade da renda auferida em precatório, bem como o critério temporal da sua ocorrência.
Aquisição da disponibilidade da renda
O conceito de disponibilidade está vinculado à possibilidade de poder empregar, aproveitar, servir-se, utilizar-se, lançar mão, usar. A aquisição de disponibilidade de renda deve ser entendida como aquisição de renda que pode ser empregada, aproveitada, utilizada.
Neste caminhar, a Relatora votou no sentido de que a sentença ilíquida não é capaz de gerar a disponibilidade nos termos do art. 43 e 116 do CTN: “Ora, é óbvio que o reconhecimento de uma receita, mesmo pelo regime de competência, depende da disponibilidade jurídica e consequente existência de liquidez do direito”.
Da mesma forma, o Conselheiro Luís Flávio Neto seguiu o mesmo trilhar, votando nos seguintes termos:
Assim, embora não haja delimitação expressa na Constituição quanto ao signo “renda” para fins tributários, o art. 43 do CTN veicula norma que permite que o legislador ordinário se valha ao menos de duas significações possíveis: (i) o inciso I, ao se referir à “renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos”, se aproxima da teoria da rendaproduto; (ii) o inciso II, ao se referir a “proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”, se aproxima da teoria da renda acréscimo patrimonial. Em ambos os casos, o conceito estabelecido pelo CTN exige que haja a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica sobre a renda, a fim de que seja possível a tributação. O legislador complementar exige que haja a “aquisição de disponibilidade”, pouco importando ser ela “econômica” ou “jurídica”.
Compete ao legislador ordinário eleger hipóteses de incidência do imposto de renda que estejam compreendidas nos referidos moldes estabelecidos pela Constituição (especialmente art. 153) e pelo CTN (especialmente art. 43 e 44). […]
Contudo, no âmbito do Direito tributário, especialmente no que se refere à tributação da renda, o regime de caixa e o regime de competência convivem harmonicamente, sendo lícito ao legislador adotar, inclusive, regime de competência que não coincida precisamente àquele concebido pela contabilidade, “ajustandoo” às suas necessidades.
O CTN, ao exercer a competência atribuída ao legislador complementar pelo art. 146 da Constituição Federal, conferiu ao legislador ordinário a possibilidade de tributar a renda por quaisquer desses regimes, desde que seja possível aferir a “aquisição da disponibilidade econômica” ou da “disponibilidade jurídica” a que se refere o art. 43 do CTN. Nesse seguir, o legislador ordinário tem a prerrogativa de adotar o regime de competência ou o regime de caixa no exercício de seu poder para tributar a renda. Possui, assim, autonomia em relação ao princípio contábil da competência, podendo adotálo (como o faz, em geral), afastálo (com a adoção do regime de caixa) ou, ainda, adequálo às suas necessidades. O importa é a obediência ao art. 43 do CTN.
Em relação ao IRPJ e a CSLL, aplicase como regra o regime de competência. Excepcionalmente, há adoção do regime de caixa ou mesmo do regime de competência ajustado, a exemplo do que se verifica em relação aos juros sobre capital próprio (JCP).
No acórdão número 10805.636 do CARF, de lavra do Conselheiro José Antônio Minatel, assim dispôs “Se é certo que não há direito que não se contraponha a uma obrigação, e vice versa, também não se pode falar em receita de uma parte que ainda não corresponda a custo, despesa ou encargo da outra”.
Consistindo a disponibilidade econômica em acrescimento de receita nova em moeda corrente, e jurídica como possibilidade do contribuinte dispor juridicamente ou contratualmente da renda nova; conclui-se que, a disponibilidade econômica não se resume ao regime de caixa, da mesma forma que a disponibilidade jurídica não se resume ao regime de competência, coexistindo ambos os regimes contábeis harmonicamente.
Outrora, em artigo versando sobre a inconstitucionalidade do come cotas à luz do princípio da capacidade contributiva e conceito constitucional de renda, realizou-se detida análise da capacidade contributiva no mercado de capitais. Não excede recordar brevemente alguns pontos. Referido instituto está intimamente ligado com a disponibilidade econômica ou jurídica, afinal para recolher tributos sobre a renda, é necessária capacidade contributiva para o cidadão recolha a DARF.
Sobre o assunto, complementa Quiroga, de uma leitura conjunta dos art. 153, 155 e 156 em que o constituinte elenca fatos signos presuntivos de riqueza, isto é capacidade contributiva, assim quando o constituinte admitiu a criação do imposto sobre o fato signo presuntivo renda e proventos de qualquer natureza, depreende-se que deste fato pressupõe condições de contribuir para os gastos comum do Estado, mencionando o exemplo de uma sociedade anônima de capital aberto na B3, em que o acionista não tem disponibilidade econômica do provento de dividendos até ulterior assembleia geral determinando o pagamento, mesmo diante da acumulação de lucros, visto que poderia a empresa alterar a destinação dos mesmos.
Em arremate, deve o Estado customizar os impostos, de forma que respeite a capacidade contributiva, evitando tributar casos sem a disponibilidade econômica e jurídica (fatos sem a presunção de riquezas).
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