Pela sistemática de recursos repetitivos, por ocasião do julgamento do Recursos Especial nº 1.221.170, o STJ fixou a tese de que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”, precedente com força vinculante, nos termos do inciso III do artigo 927 do Código de Processo Civil.
Engana-se, porém, o contribuinte que acreditou que mero exercício hermenêutico daquele paradigma contraposto à despesa incorrida pela sociedade para o desenvolvimento de sua atividade econômica seria suficiente para determinar a possibilidade ou não de creditamento do PIS e da COFINS. O paradigma do STJ deixou margem para que, linha a linha, cada um dos créditos tomados pelo contribuinte pudesse ser analisado à luz daqueles critérios da essencialidade e relevância para o desempenho da atividade econômica do jurisdicionado.
Havendo margem para interpretação, não há como negar que o entendimento da Receita Federal do Brasil (RFB) tem sido deveras restritivo, por vezes infringindo até mesmo o Princípio da Hierarquia das Normas, de Hans Kelsen, um dos fundamentos do Estado de Direito no que se refere à sua organização e regulação das suas atividades.
Exemplo disso é a Solução de Consulta (SC) COSIT nº 57/2023 por meio do qual a Receita Federal do Brasil vedou o creditamento de PIS e de COFINS sobre os dispêndios com vales-refeição, vales-alimentação e uniformes cujos fornecimentos a empregados decorra de imposição por Convenção Coletiva de Trabalho.
Vinculada àquela Solução de Consulta foi, mais recentemente, editada pela DISIT/SRRF04 a SC nº 4.013/2023 por meio da qual foram vedados créditos sobre dispêndios com assistência médica igualmente decorrentes de acordo entre empregados e empregadores, através de Convenção Coletiva de Trabalho. Nega-se, portanto, força de lei a instrumento hierarquicamente superior às próprias leis, de acordo com aquela Teoria de Kelsen e conforme assim já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.
Conceito de Insumos para fins de Créditos de PIS e COFINS
De acordo com a legislação de regência da contribuição ao PIS e da COFINS na sistemática não-cumulativa, notadamente as Leis nos 10.833/2003 e 10.637/2002, poderão ser descontados, do valor apurado a título dessas contribuições, créditos calculados em relação a “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda” (art. 3º, inc. II, das mencionadas Leis).
O conceito de “insumos” no contexto da legislação retro transcrita foi, inicialmente, objeto de regulamentação pela Receita Federal do Brasil (RFB), através da edição das Instruções Normativas nos 247/2002 e 404/2004, que objetivou restringi-lo aos moldes da legislação do IPI, no sentido de que apenas os bens e serviços diretamente vinculados à produção permitiriam a tomada de créditos das contribuições.
Os contribuintes levaram, então, a discussão ao Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça, no início de 2018, julgou, sob o rito dos recursos repetitivos, o Recurso Especial nº 1.221.170, definindo que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, (…) considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item (…) para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.
Foi rechaçada, portanto, a interpretação restritiva fazendária de que somente seriam creditáveis as aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem que sofressem contato direto com o produto em elaboração ou, ainda, que sofressem desgaste físico ou alteração em função da ação dele no processo produtivo. As citadas Instruções Normativas foram declaradas ilegais ao tentar importar para a não-cumulatividade do PIS e da COFINS um conceito de IPI incompatível com àquela sistemática.
O STJ inclinou-se à uma leitura do dispositivo legal, de acordo com a qual os dispêndios incorridos com bens e serviços pertinentes, direta ou indiretamente, relevantes ou essenciais ao processo produtivo, autorizam a tomada de créditos de PIS e de COFINS.
Relativamente ao processo produtivo, o Superior Tribunal de Justiça, ao se afastar da corrente advogada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), admitiu que o emprego indireto dos insumos nesse processo, sem a necessidade de serem diretamente consumidos, seria suficiente para autorizar o creditamento, para fins de apuração do PIS e da COFINS, desde que demonstrada a essencialidade ou relevância desses insumos no contexto produtivo em que inseridos.
Critério da Relevância e Bens ou Serviços que Derivam de Imposição Legal
Por essencial o STJ entendeu o insumo que subtraído do processo produtivo torne impossível tal produção. De acordo com o voto da Ministra Regina Helena Costa, o insumo essencial é aquele item do qual a pessoa jurídica dependa intrínseca e fundamentalmente para a produção do produto ou para a prestação do serviço, constituindo-se como elemento estrutural e inseparável do processo produtivo.
Nesse artigo nos interessa, porém, o critério da relevância e por relevante o STJ entendeu o item que subtraído da produção ou da prestação de serviço implique em substancial perda de qualidade, quantidade ou suficiência do produto ou serviço daí resultante.
O critério da relevância, mais largo do que o critério da essencialidade, é o autorizador da tomada de créditos de PIS e de COFINS sobre a aquisição de insumos consumidos indiretamente no processo produtivo, a ponto de permitir, por exemplo, a tomada de crédito sobre o dispêndio para aquisição de equipamento de proteção individual, que não é aplicado diretamente na produção ou na execução do serviço, mas que decorre de uma imposição legal e sem o qual a linha de produção não pode ser operada. O Ministro Campbell deixa expresso em seu voto que as despesas decorrentes de imposição legal representam insumos, para fins de creditamento de PIS e de COFINS.
O pronunciamento do Ministro foi incorporado pelo Parecer Normativo COSIT/RFB nº 5/2018 que versa sobre o tema e sobre os conceitos trazidos pelo STJ, com efeito vinculante sobre a Receita Federal do Brasil em relação à interpretação a ser dada à matéria.
Em brevíssima síntese, referido Parecer Normativo, em seu Capítulo 4, trata dos “bens e serviços utilizados por imposição legal” e destaca, no seu parágrafo 51 que “a inclusão dos itens exigidos da pessoa jurídica pela legislação no conceito de insumos deveu-se mais a uma visão conglobante do sistema normativo do que à verificação de essencialidade ou pertinência de tais bens ao processo de produção de bens ou de prestação de serviços por ela protagonizados”.
Nas palavras das próprias Autoridades Fazendárias, em razão da interpretação sistemática das leis que regem a matéria e também da interpretação do próprio sistema produtivo de uma maneira mais global, as despesas incorridas por imposição legal e que se relacionem ao processo de produção de bens ou de prestação de serviços pelo contribuinte, implicam em créditos de PIS e de COFINS.
Despesas para a Viabilização da Atividade da Mão de Obra Decorrente de Convenção Coletiva de Trabalho
A legislação tributária brasileira, no que tange a esse tema do creditamento de PIS e de COFINS, privilegia o fator capital do processo produtivo em detrimento do fator humano da produção. Enquanto a aquição de máquinas, equipamentos, instalações, inclusive de combustíveis e lubrificnates neles utilizados dão direito, por ocasião de sua aquisição, ao creditamento de PIS e de COFINS, é vedada a possibilidade do mesmo creditamento referente a parcela dos dispêndios relativos à mão de obra paga a pessoa física, posto que entendido como não essencial (!) à realização da atividade fim da empresa.
Nesse sentido, em (suposto) respeito à hierarquia das normas, aquele citado Parecer Normativo, em seu Capítulo 5, admite o creditamento do PIS e da COFINS apenas sobre os dispêndios necessários à viabilização da mão de obra no caso de serem expressamente exigidos pela legislação, tal como o vale-transporte.
Outros dispendêndios como vale-alimentação, vestimentas e auxílio-médico, porque não tem o seu fornecimento exigido por Lei, não implicam em creditamento de PIS e de COFINS.
O que dizer, porém, da existência de uma Convenção Coletiva de Trabalho que obrigue o empregador a fornecer aqueles mesmos vale-alimentação, vestimentas e auxílio-médico? Teria tal Acordo força de Lei a ponto de autorizar o creditamento de PIS e de COFINS sobre referidos dispêndios?
A resposta, para a Receita Federal do Brasil, por meio da COSIT, é não. A SC COSIT nº 57, de 3 de março de 2023, veda o creditamento de PIS e de COFINS sobre os dispêndios com assistência médica cujo fornecimento a funcionários decorre de imposição imposta por convenção coletiva de trabalho. O mesmo ocorre com vales-refeição, vales-alimentação e uniformes e assim foi tratado na SC DISIT/SRRF04 nº 4013, de 17 de abril de 2023.
Essas Soluções de Consulta negam a força de lei que têm as Convenções Coletivas com base no quanto disposto no parágrafo único do art. 177 da Instrução Normativa RFB nº 2121/2022, de acordo com o qual, se a exigência de bens ou serviços destinados a viabilizar a atuação da mão de obra decorrer de celebração de acordos ou convenções coletivas de trabalho, não darão direito a crédito de PIS e de COFINS.
A norma editada pela Receita Federal do Brasil, que extrapola o seu poder regulamentar, nega vigência à Teoria da Hierarquia das Normas, ao quanto disposto na Constituição Federal de 1988 em seu art. 7º, inc. XXVI, e ao que já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Tema 1.046 de repercussão geral reconhecida.
A supremacia dos acordos e das convenções coletivas de trabalho sobre disposições legais que deles divirjam tem seu nascedouro no art. 7º, inc. XXVI, da Magna Carta, que afirma, como garantia fundamental dos trabalhadores, o “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”.
Esses Acordos Coletivos entre empregadores e empregados podem livremente dispor sobre tal relação empregatícia, desde que respeitados os direitos incontornáveis dos trabalhadores assegurados pela Constituição Federal.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 1.046 fixou a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Em outras palavras, o STF discutiu e apontou a constitucionalidade da norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente, justamente pelo fato desses Acordos Coletivos deverem ser reconhecidos por empregados e empregadores, sobrepondo-se, portanto, a eventuais disposições de Lei sobre o mesmo tema.
A Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/43), em seu art. 611-A, deixa extreme de dúvidas que “a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando (…) dispuserem sobre (…) plano de cargos, salários e funções”.
Alçada ao patamar de Lei, a disposição da Convenção Coletiva que determina o pagamento de benefícios como vale-alimentação, vestimenta e auxílio-saúde pelo empregador ao empregado, como forma de viabilizar o trabalho, é norma cuja inobservância pode, ao extremo, paralisar toda uma linha de produção em função de greve para reivindicação de direitos trabalhistas.
É senso comum a relevância dos dispêndios com tais benefícios, previstos em Acordo Coletivo de Trabalho, integrantes da remuneração de empregados alocados na linha de produção ou na prestação de serviços por um contribuinte e que, como tal, geram ou deveriam gerar direito aos créditos de PIS e de COFINS, decisão final essa que, certamente, ficará a cargo do STF em mais um tema de grande repercussão social e econômica.