A usucapião é um dos modos de aquisição de propriedade existentes na legislação brasileira, tanto de bens móveis quanto imóveis. Sua origem remonta à Antiguidade, mais especificamente aos anos de 449 e 450 a.C., período em que vigorou a Lei das XII Tábuas.
Já naquela época, era possível adquirir propriedade pelo uso, desde que não houvesse contestação do proprietário original. Apesar do conteúdo central ter se mantido praticamente o mesmo, de lá para cá este instituto jurídico ganhou contornos específicos que buscaram atender, com a promulgação da constituição de 1988, a função social da propriedade.
Vamos explorar então quais são os principais conceitos relacionados, seus tipos e requisitos legais e exemplos que irão auxiliar em nossa compreensão sobre o tema. Acompanhe o artigo!
O que é usucapião?
“A usucapião é a aquisição do domínio pela posse prolongada” (PEREIRA, 2017, p. 138).
Desta definição, podemos destacar dois elementos básicos para entender o que é usucapião: a posse e o tempo.
Para que a posse caracterize usucapião é necessário ocorrer de maneira contínua, pacífica, pelo tempo determinado na legislação e ainda com intenção de dono.
Possuir algo de forma contínua significa sem intervalos, de maneira não intermitente. A posse também não pode ser fruto de nenhum tipo de violação nem ser inconteste por proprietário original.
Por fim, a posse deve ocorrer com intenção de dono, ou seja, a vontade de assumir as responsabilidades que a posse do bem exige, como por exemplo cuidar do imóvel, pagar contas de consumo, entre outras atitudes que confirmem o intuito do possuidor de se apropriar do bem.
Um aspecto importante da usucapião, e que também está relacionado ao elemento “posse”, é que não é necessário ser exercida por um único dono ao longo do tempo, sendo possível somar com a posse de um antecessor, desde que esta também atenda aos requisitos do instituto.
A posse por si só não é capaz de gerar a usucapião, é necessário que esteja associada ao fator tempo, ou seja, que perdure ao longo de um dado período determinado pela legislação.
É importante salientar que o tempo será mais curto ou mais longo em função do bem, sendo o tempo menor para bens móveis e maior para bens imóveis, e de alguns requisitos suplementares como o justo título e a boa-fé, presentes em determinados tipos de usucapião (VICOLA, 2011).
Além disso, existem bens que não podem ser objeto de usucapião, como os bens públicos, tanto de uso comum quanto de uso especial, dado que são absolutamente inalienáveis.
Quais são os tipos de usucapião?
Entenda os prazos e requisitos suplementares dos principais tipos de usucapião presentes no artigo 1.238 do Código Civil de 2002, que versa especificamente sobre a usucapião de bens imóveis.
Usucapião extraordinária
A usucapião extraordinária é aquela em que não se exige título justo, ou seja, contrato de compra e venda, nem boa-fé.
Sua existência está diretamente relacionada à valorização do trabalho e o tempo de posse pode ser de 10 ou 15 anos, dependendo se sua função se destina à moradia habitual ou a existência de obras de caráter produtivo que eventualmente tenham sido realizadas.
Sua existência está diretamente relacionada à valorização do trabalho, e o tempo de posse pode ser de 10 ou 15 anos, dependendo se sua função se destina à moradia habitual ou a existência de obras de caráter produtivo que eventualmente tenham sido realizadas.
Este é o tipo mais antigo de usucapião presente na legislação brasileira e, provavelmente, o mais seguro, dado que é muito difícil perder uma ação de usucapião extraordinária se houver o cumprimento dos requisitos.
Quais são os requisitos da usucapião extraordinária?
Para que a usucapião extraordinária seja viável, é essencial atender a uma série de requisitos rigorosos, dentre eles dois pilares básicos: a posse e o tempo.
Conhecer esses requisitos é fundamental para entender a viabilidade de um processo dessa natureza. Acompanhe:
- Posse prolongada e ininterrupta: o possuidor do bem deve tê-lo em sua posse de forma ininterrupta e incontestada por um período estipulado pela legislação vigente em cada jurisdição. Geralmente, esse período é de 15 anos, porém, pode variar de acordo com a lei de cada país ou estado.
- Boa-fé: é fundamental que o possuidor acredite, de boa-fé, que está agindo dentro dos limites legais ao ocupar o bem em questão. A boa-fé é um critério que varia de acordo com as circunstâncias e a lei local.
- Natureza pública e contínua da posse: a posse deve ser notória, ou seja, pública e acessível à vista de todos. Além disso, deve ser contínua, ou seja, sem interrupções substanciais no período de posse estipulado.
- Ausência de oposição: durante o período de posse, não pode haver contestação ou oposição ao direito de posse por parte do proprietário legítimo ou de terceiros.
- Cumprimento dos prazos legais: é imprescindível observar os prazos legais exigidos para a usucapião extraordinária na jurisdição específica. Qualquer atraso ou descumprimento pode invalidar o pedido.
Usucapião ordinária
A usucapião ordinária por sua vez, prevê o direito à propriedade àqueles que continuamente, com justo título e boa-fé, possuírem o imóvel por 10 anos.
Nos casos em que ficar comprovado a aquisição da posse de forma onerosa, ou seja, a compra do imóvel, o tempo cai para 5 anos.
Assim, se no ato de compra e venda (ou doação) houver a transmissão da propriedade, mas por uma falha ou vício não for efetivada, então trata-se de título justo passível de usucapião.
Além disso, o possuidor deverá apresentar boa-fé, ou seja, a convicção de não estar ofendendo o direito de outra pessoa, neste caso, o direito do proprietário original do imóvel.
O uso mais comum desta instituição ocorre nos casos em que efetivamente houve a compra do imóvel, ainda que por meio de “contrato de gaveta”.
Apesar de muito confundidas, a usucapião ordinária e a extraordinária possuem grandes diferenças. Enquanto a usucapião ordinária é um termo amplo que abrange várias formas de aquisição de propriedade através da posse, a usucapião extraordinária é uma categoria específica dentro desse conceito, caracterizada por requisitos de posse prolongada e rigorosa.
Usucapião especial ou constitucional
As características fundamentais deste tipo de usucapião estão diretamente relacionadas à valorização da função social da propriedade.
Existem basicamente dois tipos de usucapião especial, a urbana e a rural, que foram instituídas pela Constituição de 1988 e integradas ao Código Civil de 2002 nos artigos 1.239 e 1.240, respectivamente.
Usucapião urbana
A usucapião urbana prevê o direito à propriedade para áreas urbanas de até 250 metros quadrados após 5 anos de moradia ininterrupta e sem oposição, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Ainda sobre usucapiões específicas em áreas urbanas, o Código Civil também abarca a usucapião especial coletiva, instituída pelo Estatuto da Cidade de 2001 e que seguiu as indicações sobre desenvolvimento urbano previstas na Constituição de 1988.
Nesta modalidade o imóvel poderá ser reivindicado por famílias que nele habitam e tenham construído obras de interesse econômico e social após o período de 5 anos, desde que observados os limites espaciais e de propriedade citados anteriormente.
Apesar de ter sido instituída no Código Civil de 2002, a usucapião especial coletiva é ainda hoje objeto de intenso debate entre os juristas em relação a sua constitucionalidade, uma vez que esta não está prevista explicitamente na Constituição de 1988.
Apesar disso, trata-se de um instituto que vem gerando efeitos concretos no acesso à moradia, sobretudo pela população de baixa renda.
Usucapião rural
No caso da usucapião especial rural, além de ser utilizada como moradia, a área também deve ser produtiva pelo período de 5 anos ininterruptos para que o possuidor passe a gozar o direito de propriedade.
Assim como a usucapião especial urbana, a rural também prevê um limite para o tamanho da área de terra, que deve ser de 50 hectares.
Como funciona na prática?
Existem ainda muitos outros tipos de institutos de usucapião na legislação brasileira, entretanto, os tipos apresentados acima são aqueles que mais ocorrem na prática jurídica.
Independentemente do tipo, a usucapião pode ser requerida tanto de maneira judicial quanto extrajudicial, sendo esta última uma inovação instituída pelo novo Código de Processo Civil de 2015.
Requerimento extrajudicial
Para entrar com o requerimento diretamente no cartório de registros de imóveis o usucapiente deverá estar munido de uma série de documentos, como ata notarial lavrada pelo tabelião, planta e memorial descritivo, certidões negativas da situação do imóvel e do domicílio do usucapiente, bem como demais documentos que comprovem os requisitos da posse discutidos anteriormente.
Apesar da tentativa de desafogar o judiciário, nem sempre o pedido extrajudicial é a alternativa mais adequada, uma vez que exige comprovação documental e ausência de incapaz ou litígio, o que nem sempre corresponde ao caso concreto.
Também é importante salientar que não há obrigatoriedade de realizar o pedido inicialmente em cartório para depois seguir com o processo judicial, a forma como será requerida a usucapião fica a critério do autor da ação.
Requerimento judicial
A forma mais comum de requerer a usucapião extraordinária é a judicial, considerando que o caso concreto nem sempre apresenta a ausência de litígio entre as partes.
Outro aspecto importante da usucapião judicial é que a ação deve ser distribuída na vara específica de registros públicos. Porém, no caso de não existir vara de registros públicos poderá ser distribuída na vara cível.
Uma situação muito comum em que se recorre à usucapião judicial é naquela em que há a necessidade de se realizar um inventário muito difícil de fazer, seja pelo número de herdeiros ou ainda, que tenha ocorrido inúmeras transações de compra e venda do imóvel sem os devidos registros.
Como comprovar a posse?
O usucapiente que entrar com ação judicial deverá comprovar a posse por meio de documentos, como contas de consumo e IPTU, embora este último não seja obrigatório.
Além dos documentos, a comprovação da posse também poderá ser feita através de provas orais, como audiência de instrução de julgamento e provas testemunhais através do depoimento das partes.
Qual o custo da usucapião judicial?
O custo no judiciário em geral é menor que no cartório. No caso da usucapião judicial, esta apresenta alguns custos que devem ser observados pelo usucapiente.
O primeiro refere-se à taxa judicial, caso o usucapiente não seja contemplado com a justiça gratuita.
Em geral, a taxa judicial corresponde a 1% do valor da causa, sendo que este valor pode variar de 1 a 4% dependendo do estado. O valor da ação de usucapião em regra é o valor venal, a não ser que o imóvel não tenha número de contribuinte, taxa referencial ou IPTU. Nestes casos, considera-se o valor de alçada.
Outra despesa que o usucapiente deverá assumir está relacionada às citações (pelo menos três, lado direito, esquerdo e fundos do imóvel), quanto maior o número de propriedades, maior o número de citações e maior o custo.
Por fim, outra despesa bastante comum na ação de usucapião é a perícia que fica a cargo do usucapiente, ainda que tenha sido beneficiado com a justiça gratuita.
Considerações finais
Agora que você já sabe o que é usucapião, é necessário analisar o caso concreto e verificar se em primeiro lugar, a situação atende aos requisitos fundamentais de qualquer tipo de usucapião, ou seja, a posse mansa e pacífica com intenção de dono por período determinado de tempo.
Em segundo lugar, deve-se analisar em quais requisitos específicos o caso se encaixa.
O imóvel foi adquirido? Trata-se de imóvel localizado em área urbana ou rural? É uma requisição coletiva? Existem documentos que comprovem a compra, o justo-título e a boa-fé do possuidor?
Essas são algumas questões que podem ajudar na decisão sobre qual a melhor forma de requerer a usucapião.
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Referências
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 25ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2017.
VICOLA, Nivaldo Sebastião. Usucapião. FMU Direito, [s. l.], v. 25, ed. 36, p. 99-107, 2011.
[Acesse o artigo “Usucapião” de Nivaldo Sebastião Vicola] Acesso em: 5 jul. 2021.