O futuro do Brasil depende da Zona Franca de Manaus

Entender a ZFM, seu papel presente e suas potencialidades são etapas cruciais para garantir novos horizontes
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Victor Bastos da Costa

Não é exagero nenhum indicar que existe uma lacuna imensa de informações em relação à Zona Franca, seu funcionamento e seus efeitos. A própria existência das campanhas contrárias ao modelo evidencia o papel de necessária divulgação do que ela (ZFM) é e o que traz em favor do País.

De igual modo é perfeitamente possível indicar que porque pouco se conecta a ZFM com o futuro do Brasil em um mar de oportunidades que dali nascem não se tem, então, real dimensão de como pode o modelo amazônico ser um vetor de desenvolvimento socioeconômico para a região amazônica com repercussões em todo o País.

A missão, portanto, é demonstrar esse impacto e as oportunidades.

O que é a Zona Franca de Manaus, afinal?

Apesar de ser a Zona Franca de Manaus, por conceito, uma zona de exceção tributária baseada em um regime de área de livre comércio de importação e exportação, nem sempre o modelo funcionou nesses exatos termos.

Em 1957, o que viria a ser a Zona Franca de Manaus foi idealizado pelo então deputado federal Francisco Pereira da Silva através da Lei nº 3.173/57. Referida lei criava, em Manaus, uma zona franca para armazenamento ou depósito, guarda, conservação, beneficiamento e retirada de mercadorias, artigos e produtos de qualquer natureza provenientes do estrangeiro e com destino ao consumo interno da Amazônia.

Esse formato persistiu durante dez anos, até que, em 1967, o governo federal criou o modelo até hoje conhecido, efetivamente, como Zona Franca de Manaus, com a assinatura do Decreto-lei nº 288/67.

Com essa (então) nova roupagem, o modelo desenvolvimentista para a região foi efetivamente reformulado, ganhando contornos próprios de uma área que seria destinada ao impulsionamento de atividades de indústria, comércio e agropecuária através do estabelecimento de uma área física total de dez mil quilômetros quadrados centrada, é claro, no Município de Manaus, e adotando-se como lastro, naturalmente, o próprio Decreto-Lei nº 288/67.

A força maior do DL 288/67 é o arranjo de incentivos fiscais, já que, nos termos do art. 3º de tal diploma, a entrada de mercadorias estrangeiras na Zona Franca, desde que destinadas a seu consumo interno, industrialização ou estocagem para reexportação, é isenta do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Além disso, também os fabricantes nacionais que vendem para a ZFM são favorecidos, pois, conforme o art. 4º, mercadorias de origem nacional remetidas à Zona Franca para consumo, industrialização ou reexportação para o estrangeiro são, para todos os fins fiscais, equivalentes a uma exportação ao estrangeiro. E, por fim, empresas de finalidade exportadora também tem atrativos para se instalar em Manaus, conforme o art. 5º, a exportação de mercadorias da ZFM para o estrangeiro é isenta do Imposto de Exportação (IE).

Outros incentivos são localizados em diversas passagens da legislação infraconstitucional. Especificamente em relação à União, o quadro atual contempla uma Zona Franca de Manaus com, no âmbito da União, incentivos fiscais em sede, também, do Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Uma pitada de passado e um sinal para o futuro

Comumente, o desenvolvimento do modelo é dividido em quatro fases pretéritas características a partir das diretrizes planejadas pelo governo federal para que a ZFM atingisse as finalidades pretendidas no longo prazo, apontando-se que, atualmente, o modelo vive um quinto momento característico.

A primeira fase, cuja duração pode ser traçada entre 1967 e 1975, possuía como diretriz principal substituir as importações de bens finais através da formação de um mercado nacional, buscando-se uma primeira leva de agentes econômicos que se instalariam na região para dar impulso inicial à expansão das atividades produtivas e o estabelecimento de um mercado consumidor local.

Aqui, também foi bastante característica a predominância da atividade comercial, especialmente pela então ausência de limitação à importação de produtos (salvo os expressamente vedados no próprio Decreto-lei nº 288/67) e pelo grande fluxo turístico de brasileiros que vinham à região adquirir produtos cuja importação era proibida no restante do país.

A segunda fase, por sua vez, foi caracterizada pelo foco total no fomento à indústria nacional de insumos, o que era realizado através de políticas de contingenciamento anual de importações e da criação de índices mínimos de nacionalização para produtos industrializados na Zona Franca de Manaus e comercializados no território nacional.

Nesse período, que perdurou entre 1975 e 1990, a região contou com um avanço sólido da atividade econômica, sinalizando que as políticas de incentivo surtiam efeito e podiam ser continuadas para ampliar os frutos colhidos para a pretensão de ocupação da região amazônica, especialmente observado o crescimento das indústrias de montagem em Manaus, o que permitiu a consolidação de um polo nacional de fabricação de componentes e de insumos. Não sem motivo, foi exatamente neste período que houve a primeira prorrogação do prazo de vigência do modelo Zona Franca de Manaus (anteriormente com fim previsto para 1997, sendo prorrogado para o ano de 2007) por força do Decreto nº 92.560/86.

A terceira fase chegou à Zona Franca em 1991, perdurando até 1996, e foi caracterizada por um efetivo “choque de realidade”, tendo em vista que, se até aquele momento a área era um “oásis” para o comércio de produtos importados tendo em vista os incentivos fiscais, a Nova Política Industrial e de Comércio Exterior, trazida pela implementação do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBPQ) com a abertura da economia brasileira, agora a Zona Franca de Manaus precisaria de inúmeros ajustes para sobreviver.

Num período que ficou marcado pelo grande choque no comércio, a região foi afetada pela implementação de medidas como a vedação ao contingenciamento anual de importações, a redução significativa das alíquotas do Imposto de Importação e a criação dos Processos Produtivos Básicos (PPB).

Apesar disso, o setor industrial ganhou nova roupagem a partir, por exemplo, do Decreto nº 783/93, que obrigou as indústrias a implementarem normas técnicas de qualidade conforme padrões de entidades credenciadas pelo INMETRO, o que levou o Polo Industrial de Manaus a um extenso período de modernização que focou, especialmente, na automação, no aumento da qualidade e no ganho de produtividade, objetivos que foram claramente alcançados se considerado que, em 1996, houve o então faturamento recorde de US$ 13.200.000.000,00 (treze bilhões e duzentos milhões de dólares norte-americanos).

A quarta fase da ZFM foi vivida entre 1996 e 2002, tendo sido marcada pela adaptação da política industrial do País aos nuances de uma econômica globalizada através da adoção de medidas como a introdução da política internacional de exportação, o aumento da busca por competitividade tecnológica das indústrias e o incentivo à criação de um polo de inovação bioindustrial em Manaus (o que culminou com a implementação do Centro de Biotecnologia da Amazônia, inaugurado no ano de 2002).

Aqui, superado o impacto maior no comércio com a abertura econômica do Brasil, o perfil industrial da Zona Franca de Manaus ficou ainda mais evidente, com diversas das empresas sediadas na região buscando maior eficiência produtiva e capacidade de inovação, além da procura por novos mercados, o que fez saltar o volume de exportações (saídas de cerca de US$ 140.000.000,00 em 1996 para US$ 2.000.000.000,00 em 2005).

Atualmente, naquilo que alguns consideram a “quinta fase” da Zona Franca de Manaus, caracteriza-se a solidez do modelo com a presença forte das atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), a consolidação de um polo de inovação tecnológica e de desenvolvimento de startups, a ampla campanha de capacitação de recursos humanos e a presença forte do polo de fabricação de componentes e de bens intermediários, além, é claro, da ampla gama de atividades fincadas na Zona Franca de Manaus e que atendem um grande leque de mercados nacionais e internacionais nos setores de duas rodas, petroquímicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos.

É importante o destaque de que a curva constante de crescimento do regime Zona Franca de Manaus, em todos os níveis que se analise (dos índices socioeconômicos aos ambientais) fez com que, atualmente, o que era uma região originalmente planejada para “acabar” em 1997 esteja com a data prevista de durabilidade dos incentivos fiscais pautada para o ano de 2073, o que totalizaria ao regime Zona Franca um total de 106 (cento e seis) anos de duração, salvo novas mudanças legislativas.

A ZFM serve mesmo como catalisador para a Amazônia? E o que traz para o Brasil?

Ao se dar por acertada a continuidade da Zona Franca na mesma medida em que a longevidade presente do modelo é um ateste ao seu sucesso, não parece haver dúvidas de que a ZFM cumpre com seu papel de vetor de desenvolvimento da região amazônica – inclusive porque à Zona Franca estão atrelados outros regimes especiais também voltados para o crescimento da região.

Veja-se, por exemplo, as Áreas de Livre Comércio (ALCs), regiões em que vigoram incentivos fiscais próprios e que podem atribuir seu surgimento e manutenção ao aprimoramento de políticas desenvolvimentistas iniciadas com a concepção da Zona Franca – quase como se uma derivação fosse o elo entre a ZFM e esses regimes, pois as localidades em que estão as ALCs e os tipos de incentivos fiscais ali vigentes surgem de um dos mais recorrentes debates sobre a eficácia do modelo Zona Franca, qual seja sobre sua capacidade de aprofundamento dos benefícios socioeconômicos nas localidades não apenas no interior do Amazonas, mas da Região Norte do Brasil de maneira geral.

A esperança no futuro deve confirmar o sucesso do passado

Conclui-se dizendo que a Zona Franca de Manaus não tem pela frente uma simples continuidade de seu protagonismo no desenvolvimento socioeconômico da região amazônica. Sua íntima ligação com outros regimes de incentivos fiscais, especialmente os voltados para a busca do desenvolvimento de regiões próximas e socioeconomicamente homogêneas, é crucial para o incremento da atividade econômica e o desenvolvimento humano na Amazônia de forma geral.

Tratar a Zona Franca como um peso para o País, um ônus no qual são despejados “bilhões” como “renúncia fiscal”, também é o ateste do desconhecimento da realidade regional. Se não pela ZFM, o Amazonas seria mais um dos diversos Estados que recebe mais recursos repassados pela União Federal do que a ela (União) remete. O Amazonas, pela Zona Franca, é um dos poucos Estados superavitários a nível de arrecadação federal, e a tal “renúncia” nada mais é do que, em verdade, a moeda de troca pela qual foi possível transformar o imenso Estado em um produtor de riquezas e um hub de desenvolvimento.

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