Introdução
A discussão em torno da reforma tributária traz à tona um tema relevante: a possível ressurgência de um imposto com semelhanças à extinta CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), um tributo que abrangia uma ampla gama de transações bancárias.
Ao longo de sua história, a CPMF nunca desfrutou de uma boa reputação junto à população. Sua característica cumulativa e seu caráter regressivo destacam-se como algumas das principais críticas direcionadas à sua aplicação.
Para compreender plenamente essa questão, é necessário acompanhar a trajetória desde o contexto de sua origem até as razões que alimentam a persistente desaprovação dirigida à CPMF.
Histórico da CPMF no Brasil
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), estabelecida como substituta do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, teve sua origem em 1996, durante a administração de Fernando Henrique Cardoso.
Inicialmente concebida como um mecanismo para angariar fundos destinados à saúde, a CPMF se caracterizava como um tributo temporário, planejado para ser abolido dentro de um período de dois anos.
Contudo, o desdobramento real divergiu dessa intenção primária. A arrecadação da CPMF, ao invés de ser alocada predominantemente para a área da saúde, acabou sendo canalizada para suportar as necessidades da previdência social e para fortalecer fundos dedicados ao combate à pobreza. A prioridade original de direcionamento para a saúde foi, assim, relegada.
A incidência da CPMF recaía sobre operações financeiras como saques em caixas eletrônicos, liquidação de faturas de cartões de crédito e até mesmo pagamentos feitos por meio de cheques. Isso levou a sua denominação popular à época: “Imposto do Cheque”.
Havia, contudo, algumas transações específicas que se encontravam isentas da tributação: saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do seguro-desemprego, transferências entre contas bancárias pertencentes ao mesmo indivíduo e movimentações no mercado de ações.
Após várias prorrogações, a CPMF permaneceu em vigor no Brasil por uma década, tendo sua alíquota inicial de 0,2% aumentado progressivamente até atingir 0,38% sobre cada operação financeira.
Dentro do segundo mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, no ano de 2007, o poder legislativo optou por extinguir o tributo. Esse momento viu o surgimento de campanhas encabeçadas por entidades empresariais, instando o Congresso a não renovar a contribuição.
Uma tentativa de revitalização da CPMF foi feita durante o governo de Dilma Rousseff, em 2015. Entretanto, essa iniciativa não prosperou, dado o contexto delicado no qual se encontravam tanto o Congresso quanto o governo naquele período.
De forma similar, durante a gestão de Michel Temer, não houve êxito em reintroduzir a CPMF e fazê-la incidir novamente.
CPMF e Reforma Tributária
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, tem a intenção de incluir, como um dos últimos elementos da reforma tributária a ser submetida ao congresso, um novo imposto destinado a incidir sobre transações digitais.
Contudo, esse plano enfrenta críticas significativas devido à sua semelhança com a já extinta CPMF, recebendo o nome de “CPMF digital”.
Apesar dessa ressurgência aparente da CPMF, o atual presidente enfatizou que essa proposta não é uma mera ressurreição da CPMF, mas sim uma nova modalidade de tributação que possui como objetivo central a redução dos encargos sobre a folha de pagamento.
Os apoiadores dessa iniciativa sustentam que um dos benefícios substanciais da CPMF digital é a capacidade de aliviar as contribuições previdenciárias das empresas em relação à folha salarial, com uma redução estimada em 20%. Adicionalmente, argumentam que a introdução desse imposto resultaria em uma simplificação dos processos de pagamento.
De acordo com as informações do governo, a implementação desse tributo com uma alíquota de 0,2% poderia resultar em uma arrecadação de aproximadamente R$ 120 bilhões.
Principais críticas à CPMF
Vejamos a seguir quais são as principais críticas feitas à CPMF:
Cumulatividade
O imposto acumula-se a cada movimento financeiro, implicando que a CPMF seria aplicada em cada fase da cadeia de produção.
Nesse contexto, com o propósito de conter a acumulação em cada fase, críticos da CPMF alegam que sua existência promoverá a verticalização da produção.
Defendem que a produção seja centralizada, mesmo que isso resulte em uma menor eficiência, como um meio de evitar a aplicação do imposto na etapa de produção a cargo de um fornecedor terceirizado.
Regressividade
“Qualquer imposto indireto, operando com uma única alíquota, tende a onerar de forma proporcionalmente mais pesada as famílias com maior consumo. Isso resulta em uma situação em que os indivíduos de menor poder aquisitivo, que direcionam uma parcela significativa de suas rendas para gastos, são os mais afetados. A CPMF é um exemplo clássico de um imposto regressivo”, afirmou José Roberto Afonso, um pesquisador vinculado ao Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), pertencente à FGV.
Essa dinâmica implica que as pessoas com rendimentos mais modestos acabam despendendo uma parte considerável de suas rendas no pagamento de suas despesas cotidianas e dos impostos indiretos, que são aplicados sobre a produção e o consumo.
Em síntese, outra desvantagem enfatizada pelos opositores a esse tributo é que ele afeta de maneira mais acentuada as camadas menos privilegiadas da sociedade, caracterizando-se assim pela sua natureza regressiva.
Conclusão
Vimos ao longo do presente artigo as principais nuances que envolveram o surgimento da CPMF, tributo que tinha caráter temporário, mas que acabou perdurando por 10 anos e tendo sua arrecadação direcionada para outros setores além da saúde.
Em suma, a discussão em torno da ressurreição de um imposto assemelhado à antiga CPMF evoca um dilema complexo e controverso. A possibilidade de sua reintrodução levanta críticas fundamentais relacionadas à sua cumulatividade, regressividade e impacto desproporcional sobre as classes de menor renda.
Enquanto defensores argumentam em prol da simplificação tributária e da potencial desoneração da folha de pagamento das empresas, críticos, respaldados por especialistas como José Roberto Afonso, alertam para os efeitos desfavoráveis que podem recair sobre aqueles com menor capacidade financeira.
À luz desses aspectos, torna-se imperativo um debate aprofundado e equilibrado, visando a formulação de um sistema tributário que concilie eficácia, justiça social e equidade econômica.
Assim como ocorre com os demais debates em torno da Reforma Tributária, resta aguardarmos os próximos capítulos.
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