Adoção de tecnologia pelos escritórios jurídicos: entrevista com Prof. Alexandre Pacheco

Alexandre Pacheco, da FGV, nos explicou a racionalidade por trás da adoção de novas tecnologias nos escritórios.
Danilo Limoeiro
Danilo Limoeiro
Co-Founder and CEO at Turivius.com, PhD at MIT (2019)

Quais as três áreas do Direito serão mais transformadas nos próximos 5 anos? Como o nível de senioridade do advogados afetam sua propensão de adotar novas tecnologias? Sócios são mais refratários às novas ferramentas que advogados juniors ou seniors? 

Conversamos com Alexandre Pacheco, professor da Escola de Direito da FGV de São Paulo, bacharel e mestre em Direito pela mesma instituição e Doutor em Política Científica e Tecnológica pela UNICAMP. Alexandre Pacheco também coordena o grupo de Pesquisa, Ensino, Inovação e Direito. 

Alexandre nos explicou a racionalidade por trás da adoção de novas tecnologias nos escritórios e como fatores culturais da profissão pode afetar essa lógica. De acordo com Alexandre, a tecnologia deve acelerar a tendência dos escritórios se enxergarem mais como unidades produtivas. Para ele, a inovação pode ajudar a reestruturar a atividade jurídica e levar à conclusão que dá para fazer mais com menos e com maior qualidade.

Leia a entrevista completa abaixo!

Três áreas do direito que serão totalmente diferente em cinco anos.

Danilo Limoeiro (DL): Alexandre, as novas tecnologias digitais estão mudando profundamente o Direito, você poderia citar para a gente três áreas do Direito que serão completamente diferentes daqui a cinco anos? 

Alexandre Pacheco (AP): Posso citar sim. Eu acho que é interessante contrapor o que vem sendo muito falado enquanto transformação, mas que na minha visão não é uma transformação tão profunda e o que a gente começa a perceber como algumas tendências que aí sim você vai mudar a forma como o profissional da área jurídica vai ser demandado dentro de organizações, departamentos jurídicos e escritórios de advocacia, e como é que o serviço jurídico será entregue na ponta.

O que eu quero dizer com isso? Quando a gente pensa muito sobre tecnologia no campo jurídico, a gente ouve muito falar de automação. E a automação, do ponto de vista tecnológico, não é uma novidade para vários setores. E muitas vezes se baseia na ideia de que você já tinha graus de automação de atividades, como por exemplo o uso de modelos, templates e o que você faz foi dar uma camada de software para economizar tempo. Mas, na prática, isso não muda drasticamente ou profundamente o que o profissional da área jurídica nessa organização faz.

Isso, na verdade, aumenta a produtividade do trabalho que ele realiza dentro dessa organização. Então, o que se fazia com duas, três, quatro, cinco horas, agora se faz em menos tempo, se faz em uma hora ou em alguns minutos.

O que a gente começa a perceber que, aí sim a gente está olhando para um movimento de transformação profunda? Quando a gente começa a inserir ali para além de uma camada de software, é a construção de informações novas que podem ajudar a atuação do advogado. Isso é muito interessante a gente notar que nasce da ideia de que o Direito vem se digitalizando ao longo dos últimos anos. O que, de um lado é muito interessante. Por quê? Gera matéria prima para você gerar informação nova. Então, decisões digitalizadas, hoje, a disponibilização de uma infraestrutura tecnológica, seja de acesso à internet ou até mesmo melhoras de bases de dados ou plataformas de tribunais que fazem como, por exemplo, serviços que anteriormente não seriam sequer possíveis pelo momento tecnológico que a gente vivia, passam a, hoje, serem protótipos ou possibilidades para a gente trabalhar.

Primeira: análise de riscos, da intuição para a matematização.

A primeira delas é a ideia de que o que se pensava de análise de risco no passado, que era eu olhar, com base na minha experiência, dentro do mercado profissional, dentro da minha trajetória de carreira e ler decisões e avaliar essas decisões com base na minha experiência e dizer, por exemplo, como na [prática]  tributária é muito comum, se existe uma possibilidade de perda daquela demanda judicial possível, remota ou provável.

Agora a gente passa por um processo de matematização disso, então, ao invés de ser um processo que se baseia na minha percepção, que é uma percepção que se lastreia na ideia de que eu tenho experiência, tempo de rodagem e, em alguma medida já vi casos parecidos com esse, mas agora eu consigo dar um grau de objetividade à essa avaliação que isso transforma o que eu estou entregando na ponta. E aí você já começa a ter a possibilidade de realizar cálculos matemáticos sobre possibilidade ou não, probabilidade ou não daquela demanda ser uma demanda que vai me exigir contingenciar recursos em um curto prazo ou postergar um eventual contingenciamento de recursos para o futuro. Isso é uma mudança drástica que, quer dizer, como é que eu faço a análise de risco no campo jurídico pensando que novas tecnologias podem nos ajudar a matematizar a forma como a gente avalia processos judiciais.

DL: Nesse caso seria, então, a estatística complementando a intuição do profissional?

AP: Eu diria que sim. Em um primeiro momento a gente falaria em estatística, depois falaríamos em, vamos dizer assim, para além da estatística, que seria a base, avaliações sofisticadas de aprendizado de máquinas ou de aplicações de aprendizado de máquina. Porque uma etapa posterior é não controlar previamente o meu universo, mas deixar por exemplo, com que o meu algoritmo possa não só coletar informação, mas classificá-la de uma maneira mais livre para dizer que fatores são fatores determinantes.

Enquanto em um caso, quando vou aplicar técnicas estatísticas para matematizar esse processo de avaliação de risco, de análise de risco, estou criando conjuntos de variáveis aos quais eu vou utilizar. O que já é um grande avanço quando a gente olha para a análise de risco atual. Podemos pensar que um segundo passo é como a gente traz isso para, ao invés de pré-estabelecer as variáveis, eu deixarei com que a máquina consiga estabelecer que variáveis serão relevantes para esse caso concreto.

Segunda: Estratégia de contencioso, do argumento jurídico a análise de dados.

Uma segunda tendência, que eu acho que é uma tendência interessantíssima, é uma tendência de você olhar, por exemplo, para decisões judiciais e, para além do argumento jurídico, entender que dados podem ser relevantes para montar uma estratégia. Um exemplo característico: hoje a gente vê empresas que trabalham com largos volumes dados para em alguma medida criar um diagnóstico de um tribunal, de uma vara, para quê? Para dizer: “Puxa, de todos os processos que chegam nessa vara, quais são relacionados a áreas como consumidor? Quais são áreas, por exemplo, relacionadas a contratos? E, como esse magistrado ou o conjunto de magistrados vêm decidindo? Qual é a média de aplicação de multas? E, quando a gente olha, por exemplo, o conjunto de tribunais brasileiros, a gente começa, com esses dados agregados e unificados em uma plataforma só, começar a criar novas categorias de informação que podem me ajudar na estratégia pela qual eu vou, por exemplo, enfrentar um litígio.

O que eu quero dizer com isso? Uma das coisas que algumas empresas começaram a desenvolver é a ideia de: eu pego todos os dados de um tribunal, pego todos os dados relacionados a uma empresa e vejo quais são os processos que foram propostos frente à essa empresa? Contra essa empresa? E verifico uma coisa: será que eu tenho algum advogado ou uma advogada que são litigantes, contumazes ou, como algumas empresas começaram a chamar, “advogados agressores”, essa é uma informação que antigamente era fruto da percepção.

Quando eu tinha esses dashboards de informação, por exemplo, eu tinha um primeiro esforço, que era montar o dashboard e o segundo é: que informação nova, ao agregar estes dados que estão presentes ali e visualmente apresentados para mim de maneira fácil e de uma compreensão imediata, que informação nova eu consigo criar, por exemplo, uma categoria de advogado agressor? Por que isso muda como um departamento jurídico funciona? Porque o departamento jurídico agora terá um indicador. Para quê? Para dizer: “Advogados agressores, o tratamento é um” por exemplo, eu não negocio porque eu quero ter um efeito simbólico de desestimular com que novos negócios sejam criados com base apenas na agressão a uma empresa. Então, eu vou contingenciar recursos, e muitas vezes eu vou pagar mais que o processo me custa porque eu quero gerar este efeito simbólico.

Para os demais, eu crio um fluxo voltado apenas para negociação, técnicas alternativas por meio de ação, conciliação e outras, para dizer; “Puxa, se você tem demandas pontuais frente à mim, eu vou trabalhar com você em técnicas alternativas, trazer a valor presente custo de um processo e tentar organizar minha vida dessa maneira”. No advogado agressor, que é uma categoria nova, fruto desses grandes volumes de dados, eu vou fazer uma atuação específica, que é uma atuação de dissuasão.

Terceira: Predição judicial,  nova lógica para o contencioso.

E, por fim, talvez uma terceira tendência, que essa eu particularmente acho muito interessante, mas a gente ainda está em um estágio bastante inicial, que é a ideia de predição com base na criação de perfis de magistrados. E eu vou dizer de magistrados, mas a gente poderia fazer predições com base em perfis de árbitros ou de qualquer um que se coloca em uma posição de decisão na esfera administrativa judicial.

Por que eu digo que nós estamos em um momento inicial ou engatinhando? Em primeiro lugar, porque a gente precisa de uma massa de dados significativa e por vezes, para alguns temas, a gente não tem, e outra é a gente ainda patina um pouco para identificar o que que significa criar um perfil do decisor, do magistrado, de modo a me garantir uma acurácia, uma precisão que a minha predição, que seja um sim ou não em relação a um argumento, estará minimamente correta ou terá uma taxa de erro muito baixa, aceitável para que eu possa passar essa informação para frente como um produto ou um serviço a ser prestado pelo meu escritório. Quer dizer, chegar uma demanda e eu dizer: “Puxa, com esse magistrado eu tenho oitenta e nove por cento de chance de ele não aceitar esse argumento. Portanto, não vamos investir recursos para fazer valer esse argumento porque eu acho que, na prática, não vale a pena porque esse magistrado, por exemplo, não aceitará”.

E aí, você começa a estabelecer uma nova lógica estratégica. Por exemplo, você começa a poder fazer cálculos de quanto vai custar a trajetória de um processo, de uma demanda, por quê? Se eu sei que a maioria dos atuais ministros do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça concordam com a minha tese e eu tenho uma acurácia grande em relação à essa predição eu consigo, mesmo com derrotas pontuais em primeira e segunda instância, tentar entender o quanto será o custo da minha espera. E ponderar estrategicamente, com base nessa predição, como é que eu organizo o meu negócio para revelar um preço que não é um chute, mas é efetivamente uma fórmula de precificação, que até então é um pouco estranho para escritórios de advocacia.

Aliás, um sócio de um grande escritório de advocacia aqui de São Paulo uma vez me disse, quando eu perguntei como ele precifica. Ele falou: “Olha, é muito uma questão de sensibilidade. Você, com base no histórico e com base, um pouco, em uma conversa que você tem com escritórios do mesmo porte, você estabelece um preço e vai calibrando na medida em que você recebe um feedback, uma resposta do cliente dizendo: “Está muito caro”, “Está muito barato”. Então, é muito mais uma questão de tentativa e erro a precificação do que a ideia de que você, como outros segmentos de mercado, precifica com base em uma fórmula. Eu tendo a dizer que as novas tecnologias e o impacto que elas estão gerando e vão gerar para escritórios de advocacia tornarão alguns hábitos que fundamentalmente são de tentativa e erro, atos que terão que se basear em fórmulas, em planejamento e em gestão.

Como os profissionais da área podem se preparar para essa transformação?

DL: Então estamos falando de a tecnologia trazendo a precisão muito maior para a atuação do advogado, certo? Como que os profissionais que estão no mercado hoje podem se preparar para essas transformações?

AP: Essa é uma pergunta que eu acho que não apenas a Fundação Getúlio Vargas, mas várias outras instituições de ensino têm ali feito. Parte do que a gente têm tentado fazer é identificar, por exemplo, qual é a medida correta, quando eu digo correta, ou qual é a medida necessária de conhecimento técnico ou de conhecimento de outras áreas que serão necessárias para um profissional da área jurídica poder se inserir em um contexto que têm características muito específicas? O que eu digo de características muito específicas?

Acho que a primeira reflexão que a gente tem que fazer é o seguinte: um profissional da área jurídica, se ele não for bom na área jurídica, se ele não dominar técnicas de interpretação, se ele não dominar o texto da norma, se ele não dominar como ler e interpretar decisões judiciais, esse é um profissional da área jurídica que não cumpre a descrição mínima do que esse profissional tem que entregar na ponta, do que esse profissional pode, a forma como esse profissional lerá a realidade, conseguirá interpretar os fatos da realidade dentro da profissão dele.

Para além do conhecimento jurídico

Agora, uma coisa que a gente se pergunta é o seguinte: ele sendo bom na área jurídica, que outra habilidade que ele vai precisar? E quando a gente pensa que outra habilidade é: ele vai precisar entregar o que, por exemplo, um cientista da computação, um engenheiro, um linguista, um biólogo entregam na ponta? Não. Na prática, você não vai contratar um advogado ou uma equipe jurídica, seja em uma consultoria, seja em um escritório, porque ele te entregará o que um cientista da computação te entregaria.

Agora, o que a gente começa a perceber é que as organizações têm se tornado cada vez mais multidisciplinares. Por quê? Eu não consigo mais pensar, por exemplo, hoje, campos do Direito como proteção de dados, segurança da informação, que é um campo da Ciência da Computação que vêm migrando por questões envolvendo vazamento de dados e outros tantos para além da área jurídica.

Eu não tenho como entregar a prestação de um serviço jurídico olhando apenas para o que a norma diz, apenas para o que as decisões judiciais dirão. Eu tenho conceitos que vêm de outras áreas e tenho, querendo ou não, a necessidade de não só incorporar o que o termo significa, mas como uma tecnologia funciona.

Tech Literacy e o futuro do Direito

Isso é o que vem sendo chamado de “Tech Literacy”. Qual é a ideia do tech literacy? Essa ideia de que eu preciso ter uma familiaridade com o vocabulário tecnológico, com o funcionamento de determinadas tecnologias, seja no âmbito de tecnologia da informação ou na biotecnologia, o funcionamento de organismos vivos e interações entre microrganismos por que na prática, o que eu estou fazendo é: eu só vou conseguir interpretar uma norma que tenham esses elementos, que tenham esse vocabulário, que façam referência à essas tecnologias se seu entender: 1) o que essas palavras significam para a outra área; 2) como essas tecnologias funcionam na prática e como elas foram aplicadas por meio de interações sociais, seja em um modelo de negócio, seja por meio de uma disputa política, seja, por exemplo, em uma dinâmica social como a gente começa a observar dinâmicas sociais em redes sociais.

Se eu não tiver esse conhecimento básico, eu não vou conseguir ser parte de uma equipe multidisciplinar em que eu vou precisar conversar com esses profissionais de outras áreas.

Advogados precisarão programar?

Então, uma pergunta que me fazem com muita frequência: “Advogados precisarão programar?” Eu diria que advogado não vai precisar programar como a entrega da contribuição dele para um projeto, por exemplo, que tem um componente jurídico, mas, ele vai precisar: 1) entender o que as outras pessoas dentro dessa equipe multidisciplinar estão falando para que ele possa dizer: “o Direito entra aqui. E o que eu vou entregar para vocês é isso e o que eu não posso entregar para vocês é aquilo”. Quando eu digo isso, eu digo muito, por exemplo, em um ambiente empresarial na ideia de que, cada vez mais, a concepção de produtos vai, necessariamente, ter que incorporar valores e regras jurídicas do ponto de vista do desenho do produto ou do desenho do serviço.

Se eu vou criar um algoritmo de aprendizagem que hoje será oferecido na ponta para o meu cliente, eu terei que incorporar a ideia de que dentro desse tipo de algoritmo eu terei que verificar até que ponto, se ele está trabalhando com processamento de linguagem natural, ele terá riscos de usar um termo culturalmente sensível, socialmente sensível. 

E, para isso, uma das coisas que começa a se perceber é que o papel do advogado é o de curadoria de dados. Só que, e se ele não souber o que é um banco de dados? Se ele não souber, por exemplo, como é que as relações são construídas para fins de entrega de uma resposta de um algoritmo, se ele não entender como esse processo funciona, ele não vai conseguir realizar a curadoria de dados.

E a curadoria de dados nada mais é do que: “Vamos realizar um conjunto de teste para verificar o grau de risco ao qual estamos inseridos, se a gente botar esse produto no mercado?” Para isso ele tem que entender o que um algoritmo. Por exemplo, ele não é um algoritmo que eu não preciso entender tecnicamente como ele funciona. Ele tem que entender como esse algoritmo vai se inserir nesse contexto muito específico.

E, para terminar essa ideia, uma das coisas que a gente percebe é, respondendo à pergunta: “Advogados precisam programar? Advogados terão que ter conhecimentos de Engenharia?” Sim. Agora, eles não entregarão o que um cientista da computação entregaria e o que um engenheiro entregaria, eles vão, sim, dialogar com essas pessoas. Por quê? Cada vez mais o que a gente precisa é que profissionais de áreas diferentes se abram para se comunicar porque o mundo em que vivemos é complexo o suficiente para que você não possa mais responder apenas a partir da sua área.

‘Tech Literacy’ e nível de senioridade. 

DL: Alexandre, às vezes o profissional que é um pouco mais sênior da área pode ter uma tendência a se ver mais imune ao que a necessidade do que você chamou de ter “tech literacy”. Esse conceito seria mais apropriado para quem está entrando no mercado agora? Ou não, não teria nenhuma variação na necessidade de o profissional do Direito entender de tecnologia, capturar esse vocabulário e conseguir consumir tecnologia?

AP: Essa é uma ótima pergunta e uma pergunta que eu dividiria em, no mínimo, três frentes.

Quando eu penso em dividir essa pergunta em três frentes, eu tenho a primeira resposta que eu posso dar à essa pergunta, que é a ideia de: Puxa, quando a gente olha organizações jurídicas, mais especificamente escritórios de advocacia, o modelo tradicional dos escritórios de advocacia é o modelo de pirâmide, em que você tem os profissionais que já tiveram uma longa e muito bem sucedida trajetória no escritório, que estão na ponta da pirâmide com maior remuneração, com uma maior responsabilidade frente à entrega dos serviços, com preocupações de qualidade mas com a ideia de que: Se eu estou na ponta da pirâmide, eu terei um prazo de vida útil para ainda trabalhar nessa organização menor do que a gente imagina as pessoas que estão na base ou estão no meio da pirâmide.’

Então, nesse sentido, um incentivo que essa pessoa têm é e principalmente escritórios de advocacia que a lógica é: “Tudo que a gente tiver de lucro, tudo que a gente tiver de sobra dos custos que a gente teve e do que a gente recebeu enquanto receita, será redistribuído, porque aqui, escritório de advocacia como sociedade de pessoas, a ideia é: eu vou redistribuir todo o resultado que eu conseguir gerar entre a proporção de custos e receita“.

 Então, nesse sentido, um profissional que está no topo da cadeia tem poucos incentivos para dizer: “Por que que eu não  vou explorar o máximo que eu puder para ter o máximo de resultado, tendo em vista que o meu período aqui no escritório é curto, seja um ciclo de cinco a dez anos, por quê? Se eu usar esses recursos que poderiam vir para mim, para investir em um escritório, investir em tecnologia para o escritório, que trarão frutos lá na frente, quando eu não estiver, na prática o que eu estou fazendo é agir contra o meu interesse individual“. Essa é uma das potenciais respostas, que é uma potencial resposta oportunista. Mas, não dá para a gente fugir dela, por quê?

Se a gente imaginar uma atuação racional de alguém que está na ponta da pirâmide, eu acho que é uma atuação racional. Quer dizer, eu tenho um período de tempo curto para aproveitar aqui, por que que eu vou aprovar decisões de investir em tecnologia sem ter um resultado que eu consiga antecipar, ver no curto prazo, se eu posso aqui incentivar a redistribuição para que eu tenha um resultado no curto prazo? Então, a primeira lógica é: existem incentivos de curto prazo para que sócios, não vamos dizer assim apenas neguem, mas também não queiram investir em tecnologia por mais que eles comecem ali a entender a relevância disso. Vamos supor que este cálculo oportunista esteja fora, vamos dizer assim, do nosso horizonte.

 Vamos pensar uma segunda potencial resposta para essa conversa. Bom, existe uma resposta tradicional que é a ideia de: “Puxa, como eu construí a minha carreira? Eu construí a minha carreira com base na qualidade técnica da entrega do meu serviço jurídico, com base na reputação que eu construí e com base na forma como eu vislumbrei que escritórios se organizam no Brasil e fora. E eu estou em um momento em que o escritório continua gerando receita, os profissionais da área jurídica continuam entregando e reforçando a reputação do escritório e eu começo a perceber que muito dos resultados que a gente olha, do ponto de vista daqueles que se inserem em um ambiente mais intensivo em tecnologia são resultados que não me convencem porque ainda não estão nos gerando lucros extraordinários. Estão nos gerando ganhos de produtividade, estamos melhorando, mas não existe nada ali que tenha mudado brutalmente a dinâmica dos escritórios.”

Então, nesse sentido, uma das questões que a gente percebe em escritórios de advocacia e sócios da ponta é: “Puxa, vale a pena aguardar”. 

E vale a pena aguardar como um frase que um outro sócio de escritório e esse eu posso falar porque ele falou em um evento aberto aqui, o próprio [NOME SUPRIMIDO], que há três anos veio aqui, CEO do [NOME DO ESCRITÓRIO SUPRIMIDO], à época, ele falou: “Escritórios de grande porte tem uma vantagem, principalmente na cidade de São Paulo e em grandes cidades do Brasil, o faturamento deles permite que, se eles precisarem investir fortemente porque estão sentindo que a mudança tem acontecido de maneira mais profunda, eles terão uma agilidade maior porque eles têm a possibilidade de mover esses recursos em grande monta, em direção à tecnologia”.

O que, por exemplo, se investe em marca, se investe, por exemplo, na contratação de novos associados, rapidamente eles podem começar a fazer testes e colocar à disposição esses recursos para tecnologia. Então, você tem um comportamento, principalmente para os grandes escritórios de dizer: “Olha, vamos esperar”.

Escritórios advocatícios são unidades produtivas?

E uma terceira vertente, e ainda é uma terceira vertente que eu, particularmente, ouvi de alguns advogados. Existe uma questão importante, que é uma questão do ponto de vista cultural de como se enxerga um escritório de advocacia. Não o que ele é, mas o que se enxerga dele.

Boa parte do que se imagina de um escritório de advocacia é a ideia da sociedade de pessoas e a ideia que tudo que está em torno do escritório de advocacia é um serviço de suporte e o que se vende são os profissionais que estão dentro do escritório de advocacia. Entende-se por serviço, mas não se entende muito como unidade produtiva que consegue formatar o serviço jurídico como um produto.

E aí, nesse sentido, uma das coisas que a gente começa a perceber é: por mais que escritórios se comportem como tal, quando você pergunta para eles ou apresenta para eles esse mapa, você começa a perceber que existe um descolamento entre o “como eu atuo” de “como eu recebo novas ideias”. E aí você começa a ter uma barreira cultural principalmente porque quando você fala de sócios no, vamos dizer assim, no topo da pirâmide, uma das questões que é inevitável para esses sócios é o seguinte: “Puxa, mas o escritório de advocacia não deve ser essa unidade produtiva. O escritório de advocacia não deve ter esse contorno”.

Um fenômeno brasileiro

Isso eu digo em um fenômeno muito brasileiro e de alguns outros países, que, por exemplo, eu acabei de voltar da Austrália, passando um tempo ali como professor visitante na Universidade de New South Wales e uma das coisas que os professores da Universidade de New South Wales que estão estudando o futuro da profissão me apresentaram é: o mercado, por exemplo, jurídico australiano, a primeira coisa é que escritório de advocacia pode receber investimento de não-advogados, não-advogados podem ser sócios. E, mais do que não-advogados podem ser sócios, uma das coisas que se discute muito é: o escritório de advocacia não é um negócio. Um escritório de advocacia tem profissionais que estão sendo pagos para entregar o seu trabalho.

Ele não tem este grau de autonomia que se vislumbra romanticamente, que no Brasil você vai dizer: “Eu sou um profissional liberal. Eu vou ter o meu entendimento próprio sobre algumas demandas que o escritório vai cuidar”. Via de regra, quando você está em uma estrutura hierárquica de um escritório de advocacia em São Paulo, você não tem esse grau de autonomia já hoje.

Agora, quando você fala sobre a profissão, mesmo esses profissionais que estão no topo da cadeia, muitas vezes se fala de uma maneira romântica em que todos os níveis do escritório de advocacia teriam este grau de autonomia, o que, do ponto de vista organizacional e do ponto de vista do fluxo de trabalho ou das rotinas de trabalho, não é uma realidade mais.

E quando a gente começa a trazer a tecnologia para reimaginar esse trabalho, uma barreira que eu sinto de maneira muito característica é essa ideia que a tecnologia escancara uma realidade que por vezes a gente não quer demonstrar quando a gente vai apresentar como a gente trabalha, quais são as rotinas de um escritório de advocacia.

E, nesse sentido, é quase que um processo de transição a gente digerir que a gente já não é mais aquela imagem do passado do advogado como artesão, mas que as organizações hoje, principalmente escritórios de advocacia e grandes capitais, já são unidades produtivas. 

E são unidades produtivas por meio de uma organização hierárquica no formato de pirâmide, que se preocupam com lucro, trajetória de carreira, tem plano de carreira, tem setor de RH, tem setor financeiro, se preocupa com produtividade, articula bônus com base em horas trabalhadas. É uma unidade produtiva do ponto de vista tradicional da administração.

DL: E a tecnologia só faria então o escritório parecer cada vez mais com uma empresa?

AP: Basicamente, o que a gente começa a perceber é que a tecnologia escancara uma realidade que a tempos a gente não quer admitir.

E, no final das contas, a gente finge que ela não existe, seja do ponto de vista da regulação, olhando ali a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil que tem como função, eu acho muito interessante que tenha, proteger aquele que vai tomar o serviço jurídico, que vai receber o serviço jurídico, que é o cidadão comum.

Então, querendo ou não, regular a profissão é importante para garantirmos o mínimo de qualidade, mas, ainda tratar escritórios de advocacia como sociedade de pessoas olhando para a realidade de grandes capitais e olhando para escritórios de médio, grande porte e até butiques de pequeno porte, esses altamente especializados, a gente percebe que técnicas de gestão, técnicas de planejamento e, querendo ou não, organização institucional estão presentes como definidor do sucesso ou do fracasso dessas organizações.

E a tecnologia entra, por quê? Melhora a produtividade, começa a reestruturar a atividade jurídica e, no final das contas, começa a dizer: “Dá para fazer mais com menos e com maior qualidade”.

Sumário

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