A indevida cobrança de ISS sobre honorários sucumbenciais

Alguns municípios passaram a exigir o imposto sobre serviços de qualquer natureza sobre o recebimento de honorários advocatícios pelos escritórios de advocacia. No presente trabalho será avaliada a impossibilidade de tal cobrança por violar o ordenamento jurídico pátrio.
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Gabriel Quintanilha

A lei nº 8.906/94, o estatuto da OAB, garante que os honorários de sucumbência pertencem ao advogado, em seu art. 23. Tal pagamento é devido pela parte derrotada na ação judicial, que fica obrigada a arcar com os honorários do advogado da outra parte, que se sagrou vencedora.

Os honorários sucumbenciais não se confundem com os honorários contratuais, sendo certo que a ele se adicionam, ressalvada a hipótese em que cliente e advogado transacionem de forma diversa. Assim, os honorários de sucumbência têm natureza alimentar, resguardando os mesmos privilégios da legislação trabalhista, sendo devida a condenação dos honorários ainda que o advogado esteja atuando em causa própria, conforme previsto no art. 85, §14 do CPC. Por esse motivo, não é cabível a compensação dos honorários de sucumbência.

Como se pode ver, nos casos de procedência parcial, ambos os advogados devem receber integralmente os honorários respectivos. Vejamos:

“4. A compensação dos honorários de sucumbência não é possível, consoante disposição do art. 85, §14, do CPC/2015, que possui origem na previsão trazida pela Lei nº 8.906/94 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que, em seu art. 23, prevê que os honorários de sucumbência passaram a pertencer ao advogado e não mais à parte vencedora, o que inviabiliza a compensação quando há sucumbência recíproca.”

(Acórdão 1154955, 00053471120158070004, Relatora: Desa. ANA CANTARINO, 8ª Turma Cível, data de julgamento: 27/2/2019, publicado no Dje: 07/3/2019)

            Em vista do exposto, a sucumbência não resulta de uma prestação de serviços propriamente dita, mas é caracterizada como um pagamento da parte vencedora que deu causa à lide, ou seja, uma forma de premiar o advogado vencedor e desestimular lides sem fundamento, onde o litigante já deverá levar em consideração tal condenação antes do ajuizamento da demanda.

            Não há que se falar em relação jurídica obrigacional entre o advogado da parte vencedora e a parte vencida, mas, ainda assim, alguns municípios brasileiros, como foi o caso de São Paulo/SP e Campo Grande/MS decidiram exigir o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISSQN sobre o recebimento da sucumbência.

            O ISSQN é um imposto municipal que tem fundamento no art. 156, III da CRFB e é regulamentado pela Lei Complementar 116/03. Seu fato gerador é a prestação de serviços, caracterizada pela obrigação de fazer assumida pelo prestador de serviços perante o tomador. Ou seja, para que incida o ISSQN é pressuposto que exista uma relação jurídica em que uma pessoa física ou jurídica contrate de outra uma prestação de serviços personalizada, de acordo com a demanda do tomador.

            Os serviços que caracterizam as hipóteses de incidência do ISSQN estão no rol anexo da Lei Complementar nº 116/03, que prevê os serviços e seus congêneres que são tributáveis pelo referido imposto municipal. Ocorre que diante de uma breve leitura, percebe-se que em todos os fatos da vida que podem ser tributados pelo citado imposto, há uma relação jurídica entre tomador e prestador de serviço.

            Tal relação não existe no caso do pagamento dos honorários sucumbenciais, onde ocorre o contrário, pois a parte derrotada é empobrecida pelo advogado da parte vencedora e, provavelmente, sequer guarda bons sentimentos com relação ao patrono que receberá tais valores.

            Isso, por si só, já afasta a caracterização do fato gerador do ISSQN e, nesse mesmo sentido, foi proferida sentença no processo nº 5007387-32.2022.4.03.6000, que tramitou perante a 4ª Vara Federal de Campo Grande, reconhecendo que não deve incidir o ISSQN sobre a sucumbência, em razão de não restar caracterizado o fato gerador do referido imposto. Vejamos parte da fundamentação trazida na citada decisão:

“(…) Daí, não resta dúvida de que incide o tributo sobre os valores pagos pelos clientes aos seus respectivos advogados, a título de honorários, pela defesa em processo administrativo ou judicial ou em razão de consultorias.
Porém, o mesmo entendimento não se aplica aos honorários de sucumbência.
Ora, para parte sucumbente o advogado da parte vitoriosa não presta serviço algum. Pelo contrário, bem sopesado o resultado, o trabalho do advogado vitorioso sempre importa em prejuízo a quem lhe paga.
Logo, as Leis invocadas pelo Município (LC 116/03 e LC Municipal 59/03) devem ser interpretadas em consonância com a citada norma constitucional. Assim, não há inconstitucionalidade no item 17.14 da Lista Anexa à Lei Municipal, pela singela razão de se referir o termo Advocacia, à tributação dos valores recebidos a quem o Advogado presta serviços, não a quem lhe paga valores decorrentes de sucumbência.
E o art. 85, II, do CPC tampouco autoriza a exação. Ao se referir a prestação de serviços não quis o legislador processual disciplinar relações tributárias, simplesmente mencionado que o local em que ocorreu o trabalho do advogado deve ser levado em consideração na fixação dos sucumbenciais. (…)”

            Resta cristalino, que a exigência em questão viola a taxatividade do rol em anexo da Lei Complementar nº 116/03, firmada no julgamento do RE nº 784.439, em 2020, pois não se trata de um serviço congênere à advocacia, pois o advogado se obriga com seu cliente e não com o ex adverso, o que poderia até mesmo caracterizar uma tergiversação.

            Frise-se que ainda que os Municípios alterassem sua legislação para efetivar a incidência, deve restar claro que a criação do fato gerador em questão viola a Lei Complementar de regência e o próprio conceito que envolve o fato gerador do imposto municipal sobre serviços.

            Em suma o advogado vencedor nunca prestou serviço à parte sucumbente, não incidindo, portanto, o ISS. Outrossim, para evitar tal cobrança, cabe aos causídicos a promoção de mandado de segurança preventivo, tendo em vista o direito líquido e certo e a desnecessidade de produção de provas, para evitar tal cobrança. Entretanto, caso já tenha sido constituído o crédito tributário, respeitado o prazo decadencial, poderá ser impetrado o mandado de segurança repressivo ou a ação anulatória do crédito tributário em questão.

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